Reviravolta emocional
Muito de repente, tornou-se necessário evitar beijos, abraços e até um fraterno aperto de mão.
Usar máscara para sair de casa, tirar os sapatos quando voltar, higienizar tudo com álcool em gel, ficar longe dos amigos e dos colegas de trabalho, o quarto virou escritório, a sala virou academia e por aí vai.
Neste cenário de isolamento imposto pela pandemia de covid-19, nossa mente pode recorrer aos sonhos para lidar com as emoções intensas vivenciadas durante o dia, assimilar eventuais experiências e como estratégia de adaptação ao "novo normal".
"Segundo alguns teóricos, a realidade onírica [dos sonhos] é como uma super-realidade virtual que nos permite, em um contexto de medo profundo, treinar e melhorar o desempenho em aspectos cruciais do cotidiano," comenta a neurocientista Natália Mota, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Partindo dessa premissa, a pesquisadora analisou relatos de sonhos de um grupo de voluntários com o objetivo de investigar como essas pessoas estavam sendo afetadas pela pandemia e pelo isolamento social.
Os resultados do estudo - ainda em versão de pré-impressão, sem revisão por pares - sugerem que, quanto maior o grau de sofrimento do indivíduo no primeiro mês da quarentena, mais comuns foram as menções a termos associados à ideia de "limpeza" nos relatos oníricos.
Sonhos de limpeza
Os relatos dos sonhos fornecidos por 67 voluntários foram avaliados com foco no conteúdo do discurso, medindo, por exemplo, a proporção de palavras de determinadas classes, como conteúdo sentimental.
"De modo geral, os relatos de sonhos durante a pandemia tinham maior proporção de palavras relacionadas à raiva e à tristeza do que no momento anterior," conta a pesquisadora.
Outra análise, que mede a semelhança dos relatos com temas específicos por meio da construção de mapas de similaridade das palavras usadas, permitiu mensurar o quanto as palavras empregadas no relato estão próximas de termos como "contaminação", "limpeza", "doença", "saúde, "morte" e "vida".
"Identificamos que os sonhos do primeiro mês da quarentena estavam mais associados aos termos contaminação e limpeza, mas não notamos diferença em relação à doença e saúde ou morte e vida. Nossa interpretação é que, naquele momento, as pessoas ainda estavam se adaptando às regras mais rígidas de higiene e ao medo da contaminação. Possivelmente o medo da morte e da doença não tenha aparecido porque nenhum dos participantes ou familiares próximos tinha contraído a doença até então," avalia Natália.
Ao final de um mês, os pesquisadores buscaram mensurar o grau de sofrimento mental de todos os participantes por meio de escalas psicométricas - questionários padronizados e validados adotados em muitos estudos da área.
"Todos os voluntários apresentavam uma sintomatologia leve, mas havia uma grande variabilidade entre eles. Ao correlacionar a severidade dos sintomas às peculiaridades que aparecem nos relatos dos sonhos, notamos que os indivíduos que mais mencionavam termos relacionados à limpeza eram os que mais estavam tendo dificuldade para manter relações sociais de qualidade durante o primeiro mês de quarentena e mais estavam sofrendo com isso. Esse achado indica uma adaptação mais pobre à situação de isolamento social," conta Natália.
Olhar para as emoções
Após o término do experimento, os pesquisadores solicitaram aos voluntários que avaliassem a experiência de observar os próprios sonhos ao longo de um mês. As respostas foram pareadas entre sensações positivas (como esperança) e negativas (como ansiedade).
Segundo Natália, os aspectos negativos foram mais frequentes na avaliação dos indivíduos cujos sonhos estavam mais relacionados aos termos "contaminação" e "limpeza".
"De maneira geral, concluímos que foi um processo benéfico observar os sonhos nesse momento de pandemia. É uma forma de olhar para nossas emoções e refletir sobre o que estamos vivenciando e pode favorecer a busca por soluções," avalia a pesquisadora.
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