26/08/2024

Nossa experiência molda nossa conectividade neural

Redação do Diário da Saúde
Nossa experiência molda nossa conectividade neural
Você não irá confundir esta cômoda com um dálmata graças ao mecanismo descoberto agora pela equipe.
[Imagem: Gerado por IA/DALL-E]

Conexões

Como é que aprendemos a compreender o mundo à nossa volta? Ao longo do tempo, o nosso cérebro constrói uma hierarquia de conhecimentos, com conceitos de ordem superior ligados às características de ordem inferior que os compõem.

Por exemplo, aprendemos que os armários têm gavetas e que os dálmatas têm manchas pretas e brancas, e não o contrário. Estas interligações moldam as nossas expectativas e a nossa percepção do mundo, permitindo-nos identificar o que vemos com base no contexto e na experiência, ou seja, em nossa memória.

Ou seja, nosso cérebro interpreta a informação visual combinando o que se vê com o que já se sabe.

Pesquisadores da Fundação Champalimaud (Portugal) descobriram agora um mecanismo que permite aprender e armazenar o conhecimento existente sobre nossa realidade, mostrando que os neurônios estão ligados para conectar conceitos aparentemente não relacionados entre si.

Estas ligações neurais poderão ser cruciais para aumentar a capacidade que o cérebro tem de prever o que vemos com base em experiências passadas, uma descoberta importante para uma melhor compreensão sobre como este processo fica desregulado nas perturbações da saúde mental.

Nossa experiência molda nossa conectividade neural
Descoberta rede neural que sincroniza circuitos visuais e motores.
[Imagem: Terufumi Fujiwara et al. - 10.1016/j.neuron.2022.04.008]

Conceitos simples e conceitos complexos

O sistema visual do cérebro é constituído por uma rede de áreas que trabalham em conjunto, sendo que as áreas inferiores lidam com pormenores simples (pequenas regiões do espaço, cores, arestas) e as áreas superiores representam conceitos mais complexos (regiões maiores do espaço, animais, rostos).

As células das áreas superiores enviam ligações de "feedback" para as áreas inferiores, colocando-as em posição de aprender e incorporar relações, moldadas pela experiência, entre objetos do mundo real. Por exemplo, as células que codificam a imagem de um elefante poderão enviar feedback às células que processam características como "cinzento", "grande" e "pesado".

Com isso em mente, os pesquisadores começaram a investigar de que forma a experiência visual influencia a organização dessas projeções de feedback, cuja função permanece em grande parte desconhecida.

"Para isso, analisamos, em camundongos, os efeitos da experiência visual nas projeções de feedback para uma área visual inferior, chamada V1. Criamos dois grupos de camundongos em condições diferentes: Um num ambiente normal, com exposição regular à luz, e o outro na escuridão. Em seguida, observamos a forma como as ligações de feedback, e as suas células-alvo em V1, respondiam a diferentes regiões do campo visual," contou o pesquisador Rodrigo Dias, um dos autores do estudo.

Nos camundongos do grupo colocado na escuridão, tanto as ligações de feedback, como as células em V1 diretamente por baixo delas representavam as mesmas áreas do espaço visual. "Foi espantoso ver quão bem as representações espaciais das áreas superiores e inferiores coincidiam nos camundongos do grupo sem luz. Isto sugere que o cérebro tem um esquema genético inerente para organizar estas ligações espacialmente alinhadas, independentemente do input visual," explicou Rodrigo.

No entanto, nos camundongos colocados em condições normais, estas ligações estabeleciam correspondências menos precisas, com mais ligações de feedback transmitindo informações de áreas circundantes do campo visual.

Nossa experiência molda nossa conectividade neural
Apesar de todas estas conclusões, outros cientistas defendem que estudar o cérebro humano usando camundongos não dá certo.
[Imagem: CC0 Public Domain/Pixabay]

Autismo e esquizofrenia

Pode parecer contra-intuitivo, mas o cérebro parece codificar o conhecimento adquirido ligando células que representam conceitos não relacionados e que são menos suscetíveis de serem ativadas em conjunto com base em padrões do mundo real.

Esta poderia ser uma forma energeticamente eficiente de armazenar informação, ao fazer com que, quando o cérebro se depara com um estímulo novo, as suas ligações pré-configuradas maximizem a ativação, melhorando a detecção e atualizando as previsões acerca do mundo.

A identificação desta interface cerebral, onde o conhecimento prévio é combinado com novas informações sensoriais, pode ser importante para desenvolver intervenções nos casos em que este processo de integração não funciona corretamente.

"Acredita-se que tais desequilíbrios ocorrem em doenças como o autismo e a esquizofrenia. No autismo, os indivíduos poderão perceber tudo como sendo novidade porque a informação prévia não é suficientemente forte para influenciar a percepção. Pelo contrário, na esquizofrenia, a informação prévia poderá ser demasiado dominante, levando a percepções que são geradas internamente e não baseadas em dados sensoriais reais. Compreender a forma como a informação sensorial e o conhecimento prévio são integrados poderá ajudar a lidar com estes desequilíbrios," disse o professor Leopoldo Petreanu, coordenador da equipe.

Checagem com artigo científico:

Artigo: Visual experience reduces the spatial redundancy between cortical feedback inputs and primary visual cortex neurons
Autores: Rodrigo Dias, Radhika Rajan, Margarida Baeta, Beatriz Belbut, Tiago Marques, Leopoldo Petreanu
Publicação: Neuron
DOI: 10.1016/j.neuron.2024.07.009
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