Priapismo
A constatação de que a picada da aranha armadeira em homens pode provocar priapismo está abrindo caminho para que esse mesmo veneno seja a fonte de tratamentos contra a disfunção erétil.
O priapismo é uma ereção involuntária e dolorosa que, se não for tratada, pode levar à necrose do pênis em alguns casos mais graves.
No laboratório, porém, uma equipe da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Ezequiel Dias (Funed) demonstraram que o veneno desse aracnídeo pode ser a fonte de um novo medicamento para disfunção erétil com vantagens em relação aos já existentes no mercado.
A biotecnologia de extração do medicamento já foi desenvolvida e licenciada para uma empresa farmacêutica.
Sem contraindicações
A pesquisa da UFMG e da Funed teve início quando a molécula responsável pelo priapismo - a toxina PnTx(2-6) - foi isolada do restante das substâncias do veneno. Os primeiros estudos buscaram mostrar o processo pelo qual essa molécula levava à ereção. A toxina mostrou atividade nos canais para sódio, que são altamente distribuídos pelo organismo e presentes, por exemplo, no sistema nervoso e nos músculos do coração.
"Nós começamos a estudar qual a parte da toxina atuava nesses canais, para que pudéssemos removê-la. Ao final, dos 48 resíduos de aminoácido que compõem a toxina, nós selecionamos um grupo de 19 aminoácidos e eliminamos o resto. E a partir desse estudo, pudemos sintetizar o peptídeo PnPP 19. Aí, já não era mais a molécula do veneno. Era outra molécula produzida em laboratório," explica a pesquisadora Maria Elena Perez Garcia.
O peptídeo PnPP 19 foi testado em ratos, onde foi verificada a ereção sem os efeitos indesejados observados no priapismo. "Para nossa surpresa, ele não mostrou toxicidade nenhuma nos animais. E também não foi imunogênico, isto é, o organismo não produziu anticorpos contra a substância. Observamos que não houve nenhuma outra alteração no tecido do pênis além da ereção. E também não houve ação nos canais para sódio no restante do organismo", relata Maria Elena.
"O grande problema do Viagra é que ele não pode ser usado por pessoas que tem problemas cardiovasculares. E, pelo que vimos, um medicamento a partir do peptídeo não teria esse problema. Nós fizemos testes isolados nos corações dos ratos e também em canais pra sódio expressos exclusivamente no miocárdio e não foi observada nenhuma ação. O efeito aditivo pode atender a pacientes que não sejam tão responsivos ao Viagra", acrescentou a pesquisadora Carolina Nunes Silva, responsável pelos primeiros testes do fármaco.
Gel ou pomada
Os pesquisadores ainda estão estudando a melhor formulação do futuro medicamento.
Uma das possibilidades é o desenvolvimento de um produto para aplicação tópica, como pomada, gel, creme ou adesivo. Testes preliminares na UFMG mostraram que a aplicação do peptídeo na pele dos ratos provocou ereção. Um remédio com essas características, além de reduzir bastante os riscos de efeitos adversos, pode obter uma tramitação mais rápida nos órgãos de saúde.
Os ensaios pré-clínicos com animais levarão ainda mais dois anos. Os testes clínicos com humanos demandariam aproximadamente quatro anos, parte deles desenvolvidos pela Biozeus, empresa que adquiriu os direitos sobre a biotecnologia, e outra pela indústria que vier a se interessar pelo remédio. Ou seja, se todas as etapas ocorrerem dentro do esperado, o produto pode chegar ao mercado em 2023.
Aranha armadeira
De origem sul-americana, a aranha armadeira é bem distribuída no sudeste brasileiro, tanto em áreas rurais como em áreas urbanas. Conhecida cientificamente como Phoneutria nigriventer, ela é também chamada popularmente de aranha de bananeira por ser constantemente encontrada em cachos de bananas. Seu veneno é extremamente potente e pode provocar a morte de pequenos mamíferos. A picada em humanos não é incomum.
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