Cura pela fé
A cura religiosa ajuda a fortalecer os laços sociais e tem repercussões que ultrapassam o mero tratamento do mal físico.
A conclusão é da pesquisadora Maria da Conceição Cardoso van Oosterhout, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Em seu estudo sobre "a cura pela fé", que abordou as crenças, saberes, práticas e "poderes" dos curandeiros no mundo rural do Nordeste brasileiro, a pesquisadora introduziu o conceito de cura social.
Cura social
Segundo a pesquisadora, as diversas práticas curativas têm efeitos inclusive sobre as relações sociais.
Ao livrar um alcoólatra do vício, por exemplo, a cura traz benefícios para sua família, ao mesmo tempo em que contribui para sua reinserção na sociedade.
Além disto, a ação está perpassada por um viés holístico, isto é, pela integração entre corpo, mente e espírito.
"Associam-se benzimentos com orientação alimentar, orações e até fitoterápicos", afirma a pesquisadora. "Todavia, se a pessoa não possuir fé, não será curada", ressalta.
Dependência da fé
A tese distingue ainda três modalidades sanativas, todas dependentes da fé do paciente.
No caso da cura devocional, cultuam-se santos ou almas santas a fim de obter as soluções desejadas. "Se curada, a pessoa cria laços e obrigações de reciprocidade com essas divindades", define a pesquisadora.
Quanto à cura proporcionada por benzedores ou curadores populares, estes agem como intermediadores do poder divino, e, dessa forma, adquirem status social no meio em que atuam.
"Aqui, cria-se uma relação de companheirismo, de aconselhamento, de escutas psicológicas, de expressões que atuam no sentido de fortalecer não só os locais e os encontros, mas também a amizade e a legitimação daquela liderança religiosa", explica Conceição.
Corpo, mente e espírito
Por último, as irmãs curadoras procuram intervir no eixo corpo-mente-espírito, por meio de orações e fitoterápicos.
"As irmãs católicas buscam cuidar da harmonização do corpo e da mente recorrendo a procedimentos específicos. Ao ministrar medicamentos para o físico, recomendam que os doentes pronunciem palavras de cura interior, como 'Jesus me ajude, Jesus me cure, Jesus muito obrigada'", relata.
Contudo, o conceito de cura social não se limita à restituição da saúde, seja mental, física ou espiritual.
"Em alguns casos, ser atendido pela 'graça divina' passa pelo fato de aceitar a própria doença e aprender a conviver com ela, quando o caso não tem solução", pontua Conceição.
Cura religiosa
A doutora em Sociologia destaca também que a cura religiosa age no plano psíquico, interferindo no comportamento das pessoas envolvidas.
"Houve um caso em que a pessoa, ligada à umbanda, oferecia serviços de ajuda, e, ao visitar as famílias, deixava objetos estranhos nas casas. Ao procurar a 'causa do problema', retirava os mesmos objetos, iniciando seu trabalho", conta.
"Através das reuniões das irmãs curadoras, ela iniciou uma fase de arrependimento, confessou sua 'doença' e modificou seu comportamento e seu papel na comunidade, buscando outro meio de vida", completa.
Para a pesquisadora, a cura religiosa, analisada sob essa complexidade, dispõe às comunidades carentes de assistência uma forma de suplantar suas faltas.
"Essa espécie de assistência torna-se fundamental não apenas numa comunidade rural isolada, mas também principalmente nas comunidades desassistidas por políticas públicas", conclui.
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