Superfungo
O contexto de caos hospitalar imposto pela pandemia de covid-19 criou no Brasil condições ideais para a emergência da Candida auris, um microrganismo que ganhou o apelido de "superfungo" devido à rapidez com que desenvolve resistência aos principais medicamentos usados em seu combate.
O superfungo foi descoberto no Japão em 2009, mas só despertou a atenção da comunidade científica alguns anos depois, quando surtos de candidemia causados por este agente começaram a aparecer em diversos países asiáticos e europeus. No Brasil, os dois primeiros casos foram confirmados em dezembro de 2020 em um hospital de Salvador (BA).
"Já foram identificados outros nove casos no mesmo hospital, entre colonizados [quando o fungo está no organismo sem causar danos] e infectados. Embora ainda não exista registro desse agente em outros centros no país, há motivos para preocupação: estamos monitorando as características evolutivas de C. auris de pacientes internados naquele hospital baiano e notamos que já há amostras exibindo menor sensibilidade ao fluconazol e às equinocandinas, estas últimas pertencentes à principal classe de fármacos usada no tratamento de candidíase invasiva," contou o Dr. Arnaldo Colombo, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Fungos cândida
Os fungos do gênero Candida (com exceção da C. auris) fazem parte da microbiota intestinal humana e só costumam causar problemas quando há um desequilíbrio no organismo. O mais comum é o surgimento de infecções superficiais na mucosa da vagina (candidíase) ou da boca (sapinho), geralmente associadas à espécie C. albicans.
Em alguns casos, porém, o fungo invade a corrente sanguínea e desencadeia um quadro de infecção sistêmica - conhecido como candidemia - semelhante ao da sepse bacteriana. A invasão da corrente sanguínea e a resposta exagerada do sistema imune ao patógeno podem causar lesões em diversos órgãos e até mesmo levar à morte.
As evidências científicas apontam que, quando a candidemia ocorre em pacientes infectados pela C. auris, até 60% não sobrevivem.
"Essa espécie rapidamente se torna resistente a múltiplos fármacos, sendo pouco sensível a produtos desinfetantes utilizados em centros médicos. Dessa forma, ela consegue persistir no ambiente hospitalar, onde coloniza profissionais de saúde e, posteriormente, pacientes críticos que necessitam de internação prolongada, a exemplo dos portadores de formas graves da covid-19," contou Arnaldo.
Fungos e covid-19
Diversos fatores tornam os pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 alvos ideais para a C. auris, entre eles a internação prolongada, o uso de sondas vesicais e cateteres para acesso venoso central (uma porta de entrada para a corrente sanguínea), corticoides (que suprimem a resposta imune) e antibióticos (que desequilibram a microbiota intestinal).
"O próprio vírus pode causar lesões na mucosa do intestino de pacientes com formas graves da covid-19, facilitando o acesso de patógenos à corrente sanguínea, predispondo o paciente à candidemia," afirmou Arnaldo.
O pesquisador destaca que vários países estão relatando a emergência da C. auris no contexto da covid-19 e alerta para a necessidade de intensificar as ações para controle de infecção hospitalar em todo o país, bem como de promover o uso racional de medicamentos antimicrobianos em unidades de terapia intensiva. Desde o início da pandemia, antibióticos como a azitromicina têm sido amplamente prescritos - a grande maioria das vezes sem qualquer necessidade, alerta Arnaldo, o que reforça o desenvolvimento de resistência nos patógenos.
Ver mais notícias sobre os temas: | |||
Infecções | Bactérias | Vírus | |
Ver todos os temas >> |
A informação disponível neste site é estritamente jornalística, não substituindo o parecer médico profissional. Sempre consulte o seu médico sobre qualquer assunto relativo à sua saúde e aos seus tratamentos e medicamentos.
Copyright 2006-2024 www.diariodasaude.com.br. Todos os direitos reservados para os respectivos detentores das marcas. Reprodução proibida.