Imunidade à covid
Cientistas brasileiros fizeram grandes progressos na compreensão dos fatores genéticos que protegem algumas pessoas da infecção pelo SARS-CoV-2 - e até mesmo de desenvolver a forma grave da covid-19.
Desde 2020, cientistas de todo o mundo vêm tentando identificar genes que conferem proteção contra o novo coronavírus, tanto impedindo a infecção quanto favorecendo uma doença leve, na expectativa de que esse conhecimento permita o desenvolvimento de novas vacinas e tratamentos contra essa doença e outras provocadas por vírus.
"Se realmente comprovarmos que alguns genes promovem resistência ao SARS-CoV-2, isso também pode ser verdade para outros tipos de vírus. A partir disso, novos trabalhos podem buscar entender os mecanismos por trás dessa resistência e desenvolver medicamentos para aumentar a proteção das pessoas contra infecções virais," disse a professora Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo (USP).
Superidosos
Em uma das pesquisas, a equipe brasileira procurava possíveis genes de resistência ao SARS-CoV-2, tentando entender mecanismos envolvidos nos extremos - casos de idosos resilientes à doença, mesmo podendo ter comorbidades, em contraponto a pessoas mais jovens sem comorbidades que tiveram formas muito graves, algumas letais.
Para isso, trabalharam com uma amostra de 87 indivíduos chamados de "superidosos", ou seja, com mais de 90 anos que se recuperaram da covid-19 com sintomas leves ou que permaneceram assintomáticos após teste positivo para o novo coronavírus. A média de idade foi de 94 anos, sendo que uma mulher tinha, à época do estudo, 114 anos e foi considerada a pessoa com mais idade no Brasil a se recuperar da doença.
A equipe obteve três resultados importantes, sendo que dois deles só foram possíveis por usar amostras de população miscigenada, como é o caso do Brasil.
O primeiro foi que o grupo com covid leve apresentou frequência aumentada de algumas variantes do gene MUC22, duas vezes maior do que os pacientes com casos graves, e mais frequente ainda nos superidosos resilientes. Esse gene faz parte da família das mucinas e é um dos ligados à produção de muco, responsável pela lubrificação e proteção de vias respiratórias. Por outro lado, a produção excessiva desse muco já foi relacionada a doenças inflamatórias pulmonares encontradas em casos graves de covid-19.
Essas mutações (variantes do tipo missense, que trocam aminoácido na proteína) do MUC22 podem estar reduzindo as respostas imunes hiperativas contra o SARS-CoV-2, chamadas tempestades de citocinas, e, com isso, desempenhando um importante papel protetor das vias respiratórias contra o vírus. Ou seja, a hipótese é que indivíduos com melhor controle da produção da mucina talvez sejam mais resistentes.
Genes miscigenados
Os outros dois resultados da pesquisa estão ligados a variantes de genes mais frequentes em indivíduos africanos e sul-americanos, sendo um deles um alelo do gene HLA-DOB, que pode interferir no trânsito de alguns antígenos (pedaços do vírus) para a superfície celular.
O sistema imunológico identifica esses antígenos e cria uma resposta caso sejam "estranhos" ao organismo. Como segunda conclusão, os pesquisadores detectaram que o trânsito pode estar modificado nessas proteínas de dentro da célula para a superfície, agravando a infecção. Ao comparar casos leves e graves de covid-19, a frequência desse gene foi três vezes maior no segundo grupo.
"Só conseguimos localizá-la por causa da miscigenação da nossa amostra, com componentes de ancestralidade africana e sul-americana. Como a maioria dos estudos é realizada na Europa, dificilmente encontrarão por lá," detalhou o pesquisador Erick Castelli.
Por fim, o terceiro resultado está ligado ao gene HLA-A, um dos principais responsáveis por criar uma espécie de "vitrine" na superfície celular, mostrando para as células de defesa quais proteínas estão dentro daquela célula. Uma variante desse gene apareceu duas vezes mais em indivíduos que apresentaram a forma grave da doença.
Covid entre gêmeos
A equipe fez ainda um outro estudo, analisando um caso de gêmeos idênticos, com 32 anos à época, que apresentaram simultaneamente covid-19 grave com necessidade de internação e uso de oxigênio, apesar da idade e das boas condições anteriores de saúde.
Coincidentemente os dois foram internados e intubados no mesmo dia, mas um dos irmãos passou oito dias a mais no hospital e somente ele apresentou a covid longa, ou seja, continuou com sintomas, principalmente fadiga, mesmo após sete meses da infecção.
Depois de avaliar o perfil de células imunes e das respostas específicas ao SARS-COV-2, além de sequenciamento completo do exoma (a parte do genoma responsável por codificar as proteínas), os cientistas apontaram que a evolução clínica diferente entre ambos reforça o papel da resposta imune e da genética no desenvolvimento da doença.
Embora os gêmeos idênticos compartilhem as mesmas mutações genéticas que podem estar associadas ao aumento do risco de desenvolver a forma grave, a evolução clínica foi diferente. Já em relação à síndrome pós-covid, o estudo corroborou uma associação entre o tempo de internação e a ocorrência de sintomas de longa duração.
"Já tinham sido registrados no Brasil casos de sete pares de gêmeos idênticos adultos que morreram em decorrência da doença com dias de diferença, o que chama a atenção para o componente genético da covid-19. Quando soubemos desse par de gêmeos que teve a forma grave ao mesmo tempo e só foi saber um do outro no hospital, ficamos interessados em descrever o caso. O fato de terem sido infectados simultaneamente e desenvolverem uma forma grave da doença reforça a hipótese do fator genético", afirmou Mateus Vidigal, primeiro autor do trabalho.
Segundo o pesquisador, entre os parâmetros sistêmicos ligados à fadiga pós-covid que apareceram alterados estão a ferritina (proteína produzida pelo fígado envolvida no metabolismo do ferro) e a creatina-quinase (uma proteína muscular).
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