Parasitas da malária
Um estudo internacional, com participação de cientistas brasileiros, começa a elucidar alterações no padrão de infecção da malária.
A malária é uma das principais endemias parasitárias brasileiras, com 460 mil casos clínicos notificados na Amazônia brasileira em 2007.
O Plasmodium vivax é a principal causa de malária fora da África, afetando especialmente a Ásia e as Américas.
Já o Plasmodium falciparum, cujo genoma foi sequenciado em 2002, provoca o tipo mais severo da doença.
De acordo com o estudo, a importância do Plasmodium vivax como ameaça à saúde pública tem aumentado em relação ao falciparum.
Eritrócitos
Segundo o estudo, os receptores conhecidos como antígenos do grupo sanguíneo Duffy são fundamentais para que o Plasmodium vivax possa invadir os eritrócitos, as células do sangue humano nas quais o parasita se multiplica durante seu ciclo vital.
O vivax é o único entre os parasitas da malária cuja invasão de eritrócitos é quase que completamente dependente do receptor da superfície do glóbulo vermelho do sangue conhecido como antígeno do grupo sanguíneo-Duffy (Fy).
O Fy, segundo o estudo, tem duas variantes imunologicamente distintas, A e B, codificadas pelos alelos denominados Fya e Fyb, que diferem entre si por uma única mutação.
Embora o antígeno Duffy seja o ligante que permite a invasão do glóbulo vermelho pelo parasita, até agora, de acordo com os cientistas, não se havia confirmado se esse polimorfismo afeta a suscetibilidade clínica da malária transmitida pelo vivax.
Os cientistas mostraram que, em comparação ao Fyb, o Fya diminui de forma considerável a ligação do parasita na superfície do eritrócito, estando associado com uma redução do risco de malária causada pelo vivax.
Os eritrócitos que expressam Fya têm capacidade de ligação de 41% a 50% mais baixa em comparação com as células Fyb.
Diferenças étnicas
Segundo Marcelo Urbano Ferreira, um dos brasileiros que participaram do estudo, a relação do antígeno Duffy com a suscetibilidade à malária foi descoberta na década de 1970, durante a guerra do Vietnã.
"Na região existem tanto o vivax como o falciparum, mas um fato chamava a atenção: os soldados brancos contraíam infecções das duas espécies e os negros quase nunca contraíam a malária vivax. Como era conhecido que o plasmodium invade os glóbulos vermelhos, logo surgiu a hipótese de que, na população negra, algo nessas células evitava a invasão do parasita", disse Ferreira.
Ainda na década de 1970, segundo ele, descobriu-se e comprovou-se experimentalmente que os indivíduos com antígeno Duffy negativo são resistentes à infecção por vivax.
"Sabia-se que na África Ocidental a maior parte dos indivíduos são Duffy negativo e o restante, em geral, são Fyb. Já na Ásia, quase todo mundo é Fya. Nas populações europeias há uma mistura mais equilibrada de Fya e Fyb. Até aquela época, achava-se que o que determinava a maior suscetibilidade era ter fenótipo de Duffy positivo, não importando se se tratava de Fya ou Fyb", explicou.
Mudando as teorias
O novo estudo indica que há uma diferença de grau de suscetibilidade à malária entre os indivíduos Fya e Fyb. E essa diferença se deve ao fato de que a proteína do parasita que interage com o antígeno Duffy é capaz de interagir de maneira mais eficiente com o Fyb.
A descoberta tem impacto sobre teses amplamente divulgadas na área de genética de populações. Segundo Ferreira, sempre se acreditou que o vivax foi o fator seletivo que assegurou a fixação do fenótipo Duffy negativo na África.
"A hipótese era que, por conferir resistência contra o vivax, o fenótipo de Duffy negativo era vantajoso no continente africano. Mas esse raciocínio tem alguns problemas. Um deles é que a malária transmitida pelo vivax não é uma doença tão grave assim", disse.
Outro ponto contraditório da hipótese, segundo Ferreira, é que o vivax se originou a partir de parasitas de macacos asiáticos e os parasitas humanos surgiram naquele continente.
"Não faria sentido um parasita se originar na Ásia, depois de muito tempo chegar a outros continentes e selecionar um fenótipo de resistência na África, mas não na Ásia, onde o convívio com humanos é muito mais antigo", declarou.
O novo estudo, segundo ele, aponta para uma solução do quebra-cabeça: o tipo ancestral seria o Fyb. Na África teria sido selecionada uma mutação não exatamente na região promotora de Fy.
"Assim, o que chamamos de Duffy negativo é um indivíduo que é Fyb na região codificadora do gene. O Duffy negativo, que é encontrado na África, seria um Fyb com uma mutação na região promotora. Em outras palavras: o indivíduo não expressa a proteína Fyb no glóbulo vermelho. Já o Fya, uma mutação na região codificadora do gene, teria sido selecionado na Ásia", explicou.
De acordo com o estudo, o que provavelmente aconteceu é que na Ásia pressão seletiva exercida pelo vivax selecionou Fya, enquanto na África teria sido selecionada outra mutação, essa na região promotora do gene, resultando no fenótipo Duffy negativo", segundo o cientista.
O estudo contou ainda com a participação da professora Monica da Silva Nunes, da Universidade Federal do Acre.
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