Segredos dos centenários
O que têm em comum as pessoas que conseguem ultrapassar o limiar de um século de vida? Que segredos estão escondidos no seu sangue, que substâncias misteriosas os tornam capazes de desafiar as leis do tempo e da biologia? São questões que sempre fascinaram a humanidade e para as quais a ciência procura respostas com cada vez mais empenho.
Agora, Shunsuke Murata e colegas do Instituto Karolinska (Suécia) lançaram uma nova luz sobre este enigma ao analisar os perfis de 12 biomarcadores no sangue de mais de 44.000 centenários e ultra-nonagenários suecos.
Os resultados revelam diferenças cruciais nos níveis de glicose, creatinina, ácido úrico e outros parâmetros entre aqueles que atingem a marca dos 100 anos e aqueles que param antes.
Este é o maior estudo já realizado sobre biomarcadores sanguíneos em centenários. Mas a verdadeira força do estudo não é, embora notável, ter monitorado parâmetros durante décadas (até 35 anos), mas ter comparado os perfis sanguíneos de "centenários de sucesso" com os de seus pares menos afortunados, indo procurar diferenças significativas em vários parâmetros biológicos importantes. Uma abordagem comparativa que permite o surgimento de quaisquer "assinaturas" bioquímicas de extrema longevidade, para além das inevitáveis variações individuais.
Biomarcadores da longevidade
Os biomarcadores examinados pelo estudo são 12 parâmetros sanguíneos, selecionados por sua relevância em relação aos processos de envelhecimento e mortalidade. Aqui estão eles em resumo:
Este é um espectro amplo e diversificado, que abrange muitos dos aspectos fundamentais da fisiologia humana, desde a inflamação ao metabolismo energético, passando pela funcionalidade de órgãos vitais como o fígado e os rins. Todos os elementos que, com base no conhecimento atual, podem influenciar significativamente o processo de envelhecimento e a longevidade.
Como são esses valores nos centenários?
Diferenças sutis, mas significativas
Os "centenários de sucesso" tenderam a ter níveis mais baixos de glicose, creatinina e ácido úrico a partir dos 60 anos. Embora não difiram muito dos valores médios dos seus pares menos longevos, os centenários raramente apresentaram valores extremos (muito altos ou muito baixos) para a maioria dos biomarcadores.
Por exemplo, muito poucos centenários tinham níveis elevados de glicose na velhice superior a 6,5 mmol/L ou creatinina acima de 125 µmol/L. Limiares que, embora dentro da norma para a população em geral, parecem associados a uma menor probabilidade de atingir um século de vida.
Curiosamente, para muitos parâmetros, tanto os centenários como os não centenários apresentavam frequentemente valores fora da faixa considerada normal pelas diretrizes clínicas. Um dado que sugere que estas orientações, baseadas em populações mais jovens e saudáveis, podem não ser totalmente adequadas para quem tem mais de noventa anos.
Centenários, um jogo complexo de probabilidades
Mas qual é o impacto real destes biomarcadores na probabilidade de se tornar centenário? Para descobrir, os pesquisadores dividiram a amostra em cinco grupos com base nos níveis de cada parâmetro e depois compararam as porcentagens de centenários em cada grupo.
Surgiu um quadro multifacetado, no qual níveis demasiado baixos de colesterol total e ferro, ou níveis demasiado elevados de glicose, creatinina, ácido úrico e marcadores hepáticos, parecem associados a uma menor probabilidade de atingir os 100 anos de idade. Diferenças por vezes sutis em termos absolutos (da ordem de alguns pontos percentuais), mas estatisticamente significativas.
Tomemos como exemplo o ácido úrico: Nos 20% com níveis mais baixos, 4% das pessoas atingiram a idade de um século. Nos 20% com níveis mais elevados, apenas 1,5%. Uma diferença de 2,5 pontos percentuais que, embora não seja enorme, sugere uma ligação potencial entre este marcador inflamatório e uma longevidade excepcional.
O estudo não permite estabelecer se os níveis de ácido úrico influenciam a longevidade ou se ambos são, por sua vez, influenciados por outros fatores (genético, ambiental, comportamental). O que é certo é que estas associações, por mais sutis que sejam, lançam uma luz intrigante sobre os possíveis determinantes bioquímicos da longevidade extrema.
Os resultados do estudo, embora interessantes, devem ser vistos com a devida cautela. Ainda estamos longe de sermos capazes de identificar com certeza os "segredos" bioquímicos da longevidade excepcional, se é que existem. A longevidade extrema continua a ser, em grande parte, uma aposta com o destino. Uma aposta em que a biologia básica conta, claro, mas em que também entra em jogo uma série de variáveis difíceis de controlar, da exposição às doenças e ao estresse ambiental às vicissitudes da existência, passando pelos imponderáveis da herança genética.
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