Enovelamento de proteínas
Para que a proteína possa desempenhar sua função dentro do organismo - seja ela estrutural, enzimática, hormonal, energética, de defesa ou de transporte de nutrientes -, a cadeia de aminoácidos que a compõe precisa se moldar de modo a atingir uma forma tridimensional específica.
Há décadas cientistas tentam descobrir como esse processo tão complexo, conhecido como enovelamento de proteína, ocorre em questão de segundos ou até de milésimos de segundo. Uma pesquisa apoiada pela FAPESP e publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) acrescentou algumas peças ao quebra-cabeça.
"Estudos feitos nos anos 1960 mostraram que, se as proteínas fossem explorar aleatoriamente todas as configurações possíveis até atingir a estrutura nativa, o processo de enovelamento levaria um tempo equivalente à idade do Universo", disse Vitor Barbanti Pereira Leite, orientador do estudo de doutorado de Ronaldo J. Oliveira, que deu origem ao artigo.
Funil de proteína
Já se sabia que toda a informação necessária para que o enovelamento ocorresse estava contida na própria sequência de aminoácidos, uma vez que o processo foi passível de ser reproduzido em tubo de ensaio, sem a influência de fatores biológicos.
Surgiu então a hipótese de que haveria uma rota que facilitasse a chegada a esse estado funcional
"Passaram-se mais de 20 anos tentando desvendar essas possíveis rotas e identificar os estágios intermediários, até que se percebeu que esse não era o mecanismo", disse Leite.
Na década de 1990, o brasileiro José Nelson Onuchic - professor da Universidade Rice, em Houston, Estados Unidos, e um dos coautores do artigo recém-publicado na PNAS - introduziu a ideia de que não haveria um caminho único, mas sim um mecanismo em que todos os estágios intermediários levariam à estrutura nativa.
Considerando que em cada uma das configurações alternativas a proteína teria uma determinada energia, Onuchic propôs que, se a energia de todos os estágios intermediários fosse mapeada, esse relevo - conhecido como superfície de energia (energy landscape) - teria um formato afunilado.
No fundo do funil estaria a estrutura nativa, que representa o estado mais estável de energia.
"Imagine um cego tentando acertar aleatoriamente a bola no buraco de um campo de golfe. Se o campo fosse plano, ele levaria a vida inteira para acertar. Mas, se o campo tivesse um relevo afunilado, a bola seria direcionada para o centro independentemente do lugar em que fosse lançada", comparou Leite.
Funil de energia
Com a ajuda de modelos computacionais simplificados, Leite e sua equipe conseguiram, pela primeira vez, medir as dimensões do funil de energia - reforçando a teoria proposta por Onuchic. Além disso, com base nas medidas do funil, desenvolveram um parâmetro - batizado de descritor de superfície, simbolizado pela letra grega lambda (λ) - capaz de indicar a eficiência do processo de enovelamento de cada proteína.
"Para calcular λ, usamos três diferentes medidas: a rugosidade do relevo de energia, a largura e a profundidade do funil", contou Leite.
A rugosidade é calculada pela variação de energia que ocorre quando a proteína pula de uma configuração para outra. "Quanto mais rugoso for o relevo, maior será a dificuldade para chegar ao fundo do funil", disse.
Já a largura varia de acordo com o número de configurações possíveis de serem acessadas pela proteína. "Quanto maior for a entropia do estado desenovelado, ou seja, o número de combinações possíveis quando a proteína está aberta, maior será a área da boca do funil", explicou Leite.
Por último, a profundidade representa a distância em energia entre a estrutura nativa e o estado totalmente desenovelado. "Medimos o quanto a energia diminui quando a proteína passa do estado desnaturado para o funcional", contou.
Temperatura das proteínas
As proteínas foram selecionadas durante o processo evolutivo para funcionar em temperaturas fisiológicas - no caso dos humanos, em torno de 36º C.
"A temperatura tem influência direta sobre todo o sistema. Se aquecermos certas proteínas um pouco acima da temperatura fisiológica, elas começam a se abrir. O relevo de energia continua o mesmo, mas a forma enovelada deixa de ser a mais estável", explicou Leite.
Os pesquisadores estudaram um grupo de 21 proteínas de diferentes formas e tamanhos e mostraram que o parâmetro λ tem grande correlação com a estabilidade e com o tempo que a proteína demora para se enovelar.
"A estabilidade e o tempo de enovelamento foram calculados por simulação, mas estão correlacionados com dados experimentais da literatura científica", disse Leite.
Ponte entre teoria e prática
O trabalho foi desenvolvido no campus de São José do Rio Preto da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade Rice, em Houston, e da Academia Chinesa de Ciências.
Além de criar uma ponte entre resultados teóricos e experimentais, o estudo aumenta a compreensão sobre o processo de enovelamento de proteínas, o que, segundo Leite, pode ser útil para pesquisadores de diversas áreas, principalmente a da saúde.
"Diversas doenças estão relacionadas ao mau funcionamento de proteínas, como Alzheimer, Parkinson, fibrose cística, fenilcetonúria e câncer. Nessas patologias, não há um agente externo e sim o próprio organismo que, por algum motivo, não consegue manter as proteínas em sua estrutura nativa", disse Leite.
O conhecimento sobre o processo de enovelamento também pode ser aplicado em áreas como bioenergia. Atualmente, junto ao Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), Leite coordena trabalhos de pesquisa com o objetivo de desenvolver enzimas para a fabricação de bioetanol.
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