Longe do ideal
Especialista em estudos sobre o tema, o cientista político Marc Plattner afirma em entrevista à BBC Brasil que "a melhor democracia não significa necessariamente a melhor sociedade".
"A democracia é uma forma de governo, o que significa que as pessoas têm o poder de tomar as decisões. Mas isso não quer dizer que sejam as melhores decisões", afirma Plattner, cofundador da revista acadêmica Journal of Democracy.
Editor de diversos livros sobre o tema, especializado em democracias emergentes, como a Índia e os países latino-americanos, Plattner ainda assim defende o modelo liberal de democracia porque, mais que o governo da maioria, representa a proteção dos direitos e liberdades dos indivíduos que compõem a sociedade.
"Os últimos 25 anos do século passado foram muitos bons para o avanço da democracia", afirma. "Hoje estamos em um período de estagnação em termos de progresso democrático, mas não percebemos uma reversão completa da democracia ou autocracia."
Democracia
A entrevista é parte da minissérie de sete reportagens sobre democracia que a BBC Brasil propõe neste ano de eleições. Através de entrevistas com especialistas, a série avaliará o estágio democrático de seis casos simbólicos: Brasil, Grã-Bretanha, Estados Unidos, Índia, Rússia e Irã.
A seguir, leia trechos da conversa da BBC Brasil, na qual Plattner diz não acreditar em um "modelo russo ou iraniano" de democracia e avalia que o Brasil já deixou de ser "emergente" neste aspecto.
Qual sua definição de democracia?
No dicionário, democracia significa o governo do povo. No sentido atual, porém, significa democracia liberal, que não é apenas o governo da maioria, mas a proteção dos direitos e liberdades dos indivíduos que compõem a sociedade. Esses dois aspectos têm de estar presentes.
Existe algum modelo de democracia que se aproxime do ideal no mundo de hoje?
A melhor democracia não significa necessariamente a melhor sociedade. A democracia é uma forma de governo, o que significa que as pessoas têm o poder de tomar as decisões. Mas isso não quer dizer que sejam as melhores decisões.
Quando se discute esse tema, os países nórdicos - Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia - tendem a sair na frente, porque eles têm menos corrupção e relativamente menos desigualdades econômicas que outros países. Mas não sei se isso quer dizer que sejam mais democráticos que outros, e sim que suas sociedades têm mais virtudes que outras.
O escritor americano Fareed Zakaria sugeriu que o processo de democratização mundial gerou democracias de fachadas, ou "iliberais". O senhor acha que essa é uma tendência?
O diagnóstico de Zakaria é correto. Antes de 1975, a democracia se restringia aos países ricos e avançados do Ocidente, que também tinham uma longa história de liberalismo.
Nos anos 1970 ocorre a chamada "terceira onde da democratização". Dezenas e dezenas de países que não tinham histórico de liberalismo, tradição de Estado de Direito e não eram economias avançadas começam a ter eleições e escolher seus próprios líderes.
Não surpreende, portanto, que muitos fossem iliberais no início. A questão é como você desenvolve a democracia liberal. Para mim, o caminho passa por trabalhar junto com essas democracias iliberais, tentando fortalecer o Estado de Direito, a proteção dos direitos dos indivíduos, etc.
Zakaria chegou a sugeriu que, em vez de incentivar o nascimento de "democracias iliberais", era melhor criar as "autocracias liberais". Qual sua opinião?
Discordo de Zakaria. Se você analisar o mundo hoje, não existem autocracias liberais, no sentido de que os países que são autocráticos tampouco tendem a ser liberais e você não pode contar que seu direito seja respeitado nesses países.
É possível falar de um modelo de democracia iraniano ou russo, ou nesses países simplesmente não há democracia?
Esses países não são democracias e certamente não democracias liberais. Você pode jogar com as palavras e falar de "democracia gerenciada" ou "democracia soberana", como o governo Putin tem feito. Da mesma forma, na era soviética, falava-se de "democracia popular". Você pode usar e abusar da palavra sem chegar à verdade. A maioria dos estudiosos sobre a democracia concorda que nem o Irã nem a Rússia são democracias.
Então o senhor não acredita que haja fatores culturais, por exemplo? Podemos apontar para a história autoritária da Rússia, que explicaria o formato do sistema político do país.
Sim, há fatores históricos que dificultam a democratização dos países. Mas eles se tornam democráticos.
Lembre-se que há alguns séculos não havia democracias e todos os países democráticos tiveram de superar obstáculos na sua história e tradição que eram avessos à democracia.
Talvez isto seja mais difícil para umas culturas que para outras, mas nunca vi nenhuma que seja irremediavelmente incompatível com a democracia.
O senhor então é um otimista em relação ao processo de democratização do mundo? Ou a democracia liberal sempre será um ideal?
Sou otimista. Os últimos 25 anos do século passado foram muitos bons para o avanço da democracia, especialmente entre 1985 e 1995. Depois as coisas começaram a desacelerar um pouco e, nos últimos três ou quatro anos, segundo a organização Freedom House (que monitora a democracia no mundo), é possível ver uma ligeira erosão na democracia liberal, ou das liberdades, como eles chamam.
Hoje creio que estamos em um período de estagnação em termos de progresso democrático, mas não percebemos uma reversão completa da democracia ou autocracia. Creio que nos próximos cinco ou dez anos não haverá grande mudança em qualquer direção. Mas em geral sou otimista em relação à democracia.
Em que estágio democrático o senhor avalia que o Brasil está? Ainda somos uma "democracia emergente"?
A palavra que os cientistas políticos usam para países que já fizeram a transição para a democracia é "consolidação", o que reflete a ideia de que esse país ainda passará um período sob o risco de regredir e de que leva tempo para a democracia fincar suas raízes e as pessoas se acostumarem a ela. E em algum momento há uma conclusão de que um país se tornou uma democracia, se consolidou.
Não conheço muito o caso brasileiro, mas estou inclinado a pensar que o Brasil não é mais emergente, mas sim perto de se consolidar. Minha única preocupação não é com a política doméstica do Brasil e sim com a postura do Brasil em relação à democracia em outros lugares, que não acho que tem sido construtiva.
O senhor se refere (à demonstração de apoio do Brasil) ao Irã?
Sim. Fiquei chocado com o que o presidente Lula disse em relação aos protestos iranianos e as eleições iranianas. Porque no Irã as pessoas estão lutando pela democracia, da mesma forma que fizeram os brasileiros 25 anos antes, entre eles o presidente.
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