24/10/2014

As camponesas que dizem não aos transgênicos

Com informações do Jornal da Unicamp
As camponesas que dizem não aos transgênicos
Os movimentos de mulheres camponesas questionam a aparente neutralidade das tecnologias e do conhecimento a partir do qual foram desenvolvidas.
[Imagem: Divulgação Antoninho Perri]

Elas se autodescrevem como camponesas. São agricultoras, meeiras, sem-terra, boias-frias, assentadas, extrativistas... Em sua maioria, índias, negras e descendentes de europeus.

Para a jornalista e pesquisadora da Unicamp Márcia Maria Tait Lima, que estudou este grupo de mulheres no Brasil e Argentina, as camponesas dos dois países são, hoje, protagonistas da luta contra o modelo de agricultura industrial, contra as sementes transgênicas e pela soberania alimentar na América Latina.

"Diante dos impactos dos transgênicos e do modelo de agricultura imposto por estes alimentos, as mulheres camponesas se manifestam, propondo alternativas e tornando-se protagonistas nesta luta. Ou simplesmente não querendo aquela situação, rechaçando-a. Seja em movimentos mistos compostos por homens e mulheres ou em movimentos exclusivos de mulheres, estas camponesas estão na ponta de lança da crítica ao modelo de agricultura industrial e aos alimentos geneticamente modificados", conclui Márcia Tait.

"A população do campo é a mais afetada pelas sementes transgênicas, uma derivação do pacote tecnológico. Apesar das controvérsias científicas, há um consenso de que nos últimos anos cresceu a utilização dos agroquímicos. E quem está na ponta desta contaminação são as pessoas que estão vivendo ali. Além do aspecto da saúde, há outros impactos, como a própria perda da terra, com um arrendamento para a monocultura, atividade intimamente ligada a este contexto", completa.

No Brasil, o foco do estudo foi o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), que surgiu no Rio Grande do Sul e Santa Catarina e, atualmente, encontra-se disperso pelo país. Na Argentina, foram pesquisadas camponesas do nordeste (NEA) do país, a região com os piores índices de desenvolvimento econômico e social do país.

"Nos dois países, as mulheres, mais que os homens, têm uma preocupação maior com a saúde, com a família, com o alimento... Vários aspectos na construção social da mulher camponesa fazem com que ela se sensibilize mais por essas causas e continue lutando. Nas reuniões e encontros, a quantidade de mulheres é visivelmente superior. O homem, por uma alienação ou devido à necessidade relacionada a um papel social que ainda é muito forte no campo, que é o de prover e gerar a renda, acaba não se envolvendo. Às vezes, portanto, uma parcela masculina maior se acomoda se não há algum benefício econômico imediato. E a mulher, não. Ela sempre está pensando: 'pode trazer um benefício econômico, mas não é só isso que importa'", acrescenta a pesquisadora.

Nova ética

A partir dos discursos e práticas das mulheres campesinas, Márcia Tait afirma que elas vêm construindo uma nova "ética" feminista com a natureza, muito próxima do ecofeminismo. Na opinião da pesquisadora, essas mulheres latino-americanas vêm gerando conhecimentos comprometidos com esta ética singular em relação aos humanos e não humanos, propondo uma abordagem não reducionista para os problemas atuais.

Esta "ética" insere os impactos negativos dos cultivos transgênicos num contexto mais amplo de crítica, resistência e práticas alternativas ao modelo de produção agrícola industrial, além de remeter a outras questões fundamentais que envolvem as crises ambiental, social e alimentar.

"Ao resistirem ao modelo de agricultura industrial, às sementes transgênicas e outros pactos tecnológicos, os movimentos de mulheres camponesas questionam, mesmo de forma implícita, a aparente neutralidade destas tecnologias e do conhecimento a partir do qual foram desenvolvidas. De maneira explícita, elas mostram sua resistência à ciência ocidental capitalista e as novas agrobiotecnologias por reconhecerem-nas como portadoras de valores que promovem modos de desenvolvimento agrícola destrutivos do ponto de vista das práticas camponesas e da manutenção de sua autonomia," conclui a pesquisadora.

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