Mortes sem doença
Anualmente, mais de 1 milhão de pessoas morrem no mundo em decorrência de acidentes de trânsito causados pelo uso abusivo de bebidas alcoólicas, o que tem gerado preocupação em organismos como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, 35 mil pessoas morrem nas estradas todos os anos devido ao mesmo motivo, especialmente nos fins de semana e feriados.
Mortalidade no trânsito
A estimativa coloca o Brasil entre os países com a maior taxa de mortalidade no trânsito. Uma pesquisa realizada por uma equipe do Programa Acadêmico sobre Álcool e outras Drogas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com vítimas fatais de acidentes de trânsito, mostrou que o álcool estava presente em cerca de 75% dos casos e que, embora o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estipule o índice de 0,6 grama como limite máximo permitido de concentração de álcool por litro de sangue para caracterizar infração, um número significativo das vítimas apresentava índices muito inferiores.
Níveis permitidos também matam
O estudo avaliou os testes de alcoolemia realizados por legistas do Instituto Médico Legal em 94 mortos em acidentes e detectou que apenas 11 (11,77%) não haviam ingerido bebidas alcoólicas. Nas 83 vítimas restantes (equivalente a 88,3% do total), foi detectada a presença de álcool no sangue. Desses testes positivos, em 60,2% dos casos os envolvidos apresentavam níveis de álcool por litro de sangue superiores a 0,6 grama. Mas o que mais chamou a atenção foi que 38,3% dos mortos estavam no nível permitido, com índices entre 0,1 g/l a 0,59 g/l de álcool no sangue.
Alcoolemia
Para o neurologista José Mauro Braz de Lima, professor da faculdade de Medicina da UFRJ e coordenador da pesquisa, o trabalho é importante ao sugerir uma redução do nível de alcoolemia no Brasil. "É necessário que seja discutida a redução do nível estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro. A taxa de 0,6 grama é elevada porque, dependendo da sensibilidade da pessoa, um nível mais baixo de álcool no sangue pode representar um risco de acidente de trânsito", disse à Agência FAPESP.
Se comparado com outros países, o nível de alcoolemia brasileiro pode ser considerado alto. Na França, campanhas estão sendo feitas para reduzir de 0,5 grama para 0,2 grama o nível limite de álcool por litro de sangue do motorista. Na Suécia, o índice máximo é de 0,2 grama e no Japão é de 0,0, isto é, tolerância zero.
Idade mínima para consumo de álcool
"É claro que essa redução no Brasil deve vir acompanhada de medidas paralelas, como a fiscalização e o controle efetivo", disse Braz de Lima, lembrando que a alta freqüência de blitzes policiais fez com que a França reduzisse para mais da metade o número de mortes nas estradas.
"Nos Estados Unidos, alguns estados elevaram a idade mínima para consumo de álcool de 18 anos para 21 anos. Esse também é um exemplo de boa medida a ser adotada", afirmou o pesquisador, que se dedica ao tema há mais de dez anos e também integra um comitê brasileiro nas Nações Unidas, criado em 2004 e responsável por campanha de redução de acidentes de trânsito.
Os resultados da pesquisa empreendida pela equipe da UFRJ serão apresentados durante o 19º Congresso da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas (Abead), que será realizado de 5 a 8 de setembro no Hotel Glória, no Rio de Janeiro.
Aumento de consumo de álcool por jovens
Braz de Lima ressaltou que o número de mortes em acidentes de trânsito no Brasil equivale a 19 pessoas por 100 mil habitantes. "Na França, essa média é de 7 por 100 mil habitantes e, nos Estados Unidos, 12 por 100 mil." A pesquisa verificou que 33% das 94 vítimas analisadas tinham entre 20 e 40 anos e 35% entre 50 e 70 anos. Entre os motivos estavam os atropelamentos (62% dos casos) e as mortes por colisão direta (38% dos casos).
Para ele, uma pesquisa precisa ser feita para comparar a curva de crescimento de produção de bebidas alcoólicas e o aumento de consumo de álcool por jovens. "O índice de consumo abusivo de álcool por jovens tem aumentado, o que é muito preocupante", afirmou. Segundo levantamento feito em 2006 pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas (Cebrid), encomendado pela Secretaria Nacional Antidrogas, o consumo de bebidas alcoólicas aumentou, em cinco anos, 30% entre jovens de 12 a 17 anos e 25% entre jovens de 18 a 24 anos.
Álcool e drogas nos finais de semana
Por conta disso, Braz de Lima está coordenado outro estudo, a ser lançado ainda este ano, sobre o consumo de álcool e drogas nos finais de semana. "O que é fundamental é perceber a relação do álcool nos acidentes de trânsito. Existe aí uma relação de causa e efeito muito nítida, e dois terços dos que estão morrendo são jovens. São mortes sem doença", destacou.
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