Protocolo mundial
Uma avaliação cardíaca minuciosa é fundamental para avaliar o risco do transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) em pacientes com esclerose sistêmica.
A descoberta, feita por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos, foi publicada na revista The Lancet.
Os resultados do estudo devem mudar as diretrizes para o tratamento da doença em todo o mundo.
Esclerose sistêmica
Também conhecida como esclerodermia, a esclerose sistêmica é uma enfermidade autoimune que afeta progressivamente as células do tecido conjuntivo.
Ela pode causar alterações vasculares e fibrose da pele e de órgãos internos, além de úlceras.
O problema é relativamente raro, atingindo uma em cada 50 mil pessoas, mas pode ser fatal quando órgãos como pulmão, coração ou intestino são gravemente comprometidos.
O tratamento convencional consiste em aplicações mensais de uma droga quimioterápica chamada ciclofosfamida, para "zerar" o sistema imunológico.
Antes da quimioterapia, células-tronco da medula óssea do próprio paciente são coletadas e congeladas. Após o procedimento, esse material é reinfundido no organismo para que a produção de células de defesa seja reiniciada.
Contudo, a quimioterapia só consegue evitar a progressão da doença em uma pequena parcela dos pacientes.
Cerca de um terço dos portadores de esclerose sistêmica evolui para um quadro grave e tem indicação para o transplante - ainda considerado tratamento experimental.
Esse tipo de abordagem terapêutica também tem sido usado para o tratamento de alguns tipos de câncer, como linfoma, e outras doenças autoimunes, entre elas o diabetes tipo 1.
"Normalmente, a mortalidade associada a esse tipo de transplante é de 3% a 5%. Mas, no caso de portadores de esclerose sistêmica, ela é muito maior, podendo chegar perto de 20% em alguns centros," conta Maria Carolina Oliveira, uma das autoras do estudo.
"Um dos objetivos do nosso estudo era descobrir as causas desse alto índice e os resultados indicam que, em muitos casos, estão relacionadas a problemas cardíacos", acrescenta.
Fatal para o coração
Em parceria com cientistas da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, Maria Carolina e seus colegas da USP de Ribeirão Preto analisaram dados de 90 pacientes transplantados entre 2002 e 2011 - 31 deles atendidos no Brasil.
"Por meio dessa análise retrospectiva, vimos que dois terços dos pacientes não tinham anormalidades cardíacas e um terço apresentava comprometimento cardíaco grave. Observamos que o desfecho do transplante nesse segundo grupo era muito pior", contou Oliveira.
Segundo a pesquisadora, cinco pacientes morreram durante o procedimento - quatro deles por causa do coração.
"Alguns apresentaram piora da função pulmonar sem motivo aparente após o transplante. Como pulmão e coração estão muito relacionados, acreditamos que a causa seja cardíaca", disse.
A ciclofosfamida é uma droga cardiotóxica, explicou Oliveira. Além disso, o procedimento sobrecarrega o coração pelo uso de grandes volumes líquidos. Essa associação de transplante com doença cardíaca prévia parece aumentar o risco do procedimento, além de deteriorar a função cardiopulmonar pós-transplante.
O acompanhamento dos pacientes feito ao longo dos cinco anos seguintes ao transplante mostrou sobrevida de 78% - oito pessoas morreram em decorrência de recaída da doença. A sobrevida livre de progressão foi de 70%.
Limite de segurança
Com base nos resultados da investigação, os pesquisadores propõem que a avaliação cardíaca criteriosa - que inclui ecocardiograma, eletrocardiograma, cateterismo e ressonância magnética do coração - seja adotada como pré-requisito do tratamento de esclerose sistêmica com TCTH.
"O problema muitas vezes passa despercebido. O coração já está comprometido, mas o paciente não apresenta sintomas", afirmou Oliveira.
A pesquisadora ressaltou, no entanto, que ainda precisam ser feitos novos estudos para determinar precisamente a partir de qual nível de dano cardíaco o paciente se torna inelegível para o transplante.
"Existe um limite de segurança. Estamos planejando um estudo prospectivo - também em parceria com Northwestern e talvez com centros da França e da Inglaterra - para submeter os pacientes a esses exames e depois acompanhá-los para ver como evoluem", contou.
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