Isso não é prevenção
A incidência de câncer de tireoide varia consideravelmente de acordo com o nível socioeconômico dos pacientes e a acessibilidade a exames de rotina.
Por outro lado, as taxas de mortalidade são similares entre as diferentes populações, mostrando que o problema é outro, ou seja, o câncer de tireoide pode estar simplesmente sendo diagnosticado em excesso nas áreas de maior poder aquisitivo, onde a população tipicamente costuma se submeter mais aos chamados "exames preventivos" - exame é diagnóstico, e não prevenção.
Já sabemos que consultas e exames de rotina não melhoram nossa saúde e que os tais "exames preventivos" não necessariamente salvam vidas, mas a imprensa e os médicos continuam insistindo neles.
No Brasil, o câncer de tireoide ocupa o sétimo lugar entre os tipos de câncer mais comuns e o número de ultrassonografias de tireoide e de biópsias de nódulos teve rápido aumento no sistema público de saúde nos últimos anos.
Excesso de diagnósticos
Pesquisadores do Hospital de Amor de Barretos (SP) e da agência Iarc, ligada à OMS, investigaram a ocorrência geográfica e socioeconômica de câncer nos 18 municípios da região de Barretos entre os anos de 2003 e 2017, e compararam os dados obtidos com informações relativas à capital paulista (2001-2015), onde há alta acessibilidade a exames de função da tireoide, ultrassonografias, ressonâncias magnéticas e tomografias, entre outros exames.
No caso do câncer de tireoide, a discrepância entre as duas regiões foi especialmente marcante: A incidência (o diagnóstico) observada na cidade de São Paulo foi três vezes maior (5,7 na região de Barretos e 15,9 em São Paulo, por 100 mil pessoas/ano). Para comparação, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), em todo o Brasil, a incidência de câncer de tireoide é de 4,8 e, no mundo, esse número é 6,6, conforme a plataforma de estatísticas sobre câncer da Iarc. Assim, 15,9 para São Paulo é um número totalmente fora da curva.
Além disso, na região de Barretos não houve variação significativa de incidência entre pacientes de diferentes níveis socioeconômicos, o que indica uniformidade nas práticas de diagnóstico. Já em São Paulo, quanto mais elevada era a classe social, mais cânceres desse tipo foram detectados (31,6 nas regiões de nível socioeconômico mais alto contra 8,1 nas de mais baixo).
Impacto psicológico
O estudo mostrou ainda que as taxas de mortalidade foram baixas em termos relativos, tanto na região de Barretos quanto na capital - na área mais desenvolvida analisada foi de 0,3, e na menos desenvolvida foi de 0,4 -, levando os pesquisadores a acreditar que o excesso de diagnósticos é de fato o potencial responsável pela diferença nas "incidências".
"Quando falamos em sobrediagnóstico, nos referimos a tumores que, caso não fossem detectados, não resultariam em sintomas ou mortes - a pessoa poderia, inclusive, viver mais de 90 anos sem qualquer manifestação e não morreria dessa causa," explicou o Dr. Adeylson Guimarães Ribeiro. "Porém, uma vez que exames são realizados e se chega a um diagnóstico, um protocolo de tratamento é iniciado, gerando impacto físico e psicológico."
Por contribuírem para um melhor entendimento da forte ligação entre nível socioeconômico, risco de diagnóstico e morte, afirmam os pesquisadores, os resultados do trabalho sugerem que uma revisão nas práticas e políticas de exames de rotina e diagnósticos é bem-vinda, até mesmo para reduzir procedimentos desnecessários e efeitos indesejados na vida dos pacientes.
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