A neurociência, em sua situação atual, padece de um mal estranho: ela é rica em dados, mas pobre em teoria.
Em termos mais simples, os estudiosos conseguem registrar as coisas acontecendo no cérebro, mas não compreendem o que os dados significam.
Para sanar esse problema, são necessários novos modelos matemáticos que deem conta dos dados experimentais observados, ou seja, um novo campo da matemática.
Esta nova ciência do cérebro se chama neuromatemática, e é o tema de estudos da equipe do professor Antônio Galves, do Instituto de Matemática e Estatística da USP.
A empreitada, batizada de NeuroMat, conta com uma equipe composta por matemáticos de áreas diversas, além de neurocientistas, cientistas da computação e médicos da USP e de outras instituições nacionais e internacionais. "Trata-se de um centro de matemática pura, inspirado nas questões que a neurobiologia nos coloca", explica Galves.
Cérebro estatístico
Uma das perguntas que o NeuroMat tenta responder é como nosso cérebro codifica e processa estímulos externos. Ao ver uma árvore, por exemplo, é possível reconhecê-la como árvore ainda que seus galhos estejam se movendo ou que suas folhas tenham caído, indicando a capacidade de reconhecermos padrões naquilo que observamos.
Mas este processo é muito mais elaborado do que podemos imaginar em uma primeira análise.
Os cientistas suspeitam que o cérebro seja, na verdade, um exímio estatístico. "A ideia é que existe uma regularidade em nível superior do que a simples aparência e essa regularidade é uma regularidade de caráter estatístico", conta Galves.
Esse processo é chamado de seleção estatística de modelos. No exemplo da árvore, seria a capacidade do cérebro decodificar e processar informações, mesmo variáveis, que fazem com que possamos reconhecer uma árvore. "Procurar regularidades estatísticas através da seleção de modelos é uma ideia revolucionária em neurociência", afirma o matemático.
Experimento
Uma das experiências realizadas para tentar compreender o funcionamento do cérebro registrou a atividade elétrica cerebral de voluntários expostos a três ritmos musicais diferentes. Os ritmos se expressavam a partir de uma sucessão regular de unidades com batidas fortes, fracas, ou intervalos silenciosos. A isso acrescentou-se o apagamento aleatório de batidas fracas, substituídas por unidades silenciosas.
O objetivo da pesquisa era obter evidências experimentais corroborando a hipótese de que o cérebro fazia "seleção estatística de modelos". Em outras palavras, o que se queria saber é se, a partir de longas amostras produzidas com as sequências rítmicas mais o apagamento aleatório, o cérebro identificava as sequências regulares de base, fossem quais fossem as escolhas aleatórias de apagamento.
Os resultados preliminares obtidos dão força à ideia. "Estamos tentando encontrar evidências de que usar a seleção estatística de modelos como paradigma para a atividade cerebral é viável e factível", diz Galves.
O desafio, explica o professor, é construir modelos que deem conta das evoluções temporais obtidas por meio de registros eletrofisiológicos durante a exposição a estímulos diversos, como rítmicos e visuais.
Banco de dados neuromatemático
Atualmente, o grupo trabalha na construção de um banco de dados que reunirá informações de experimentos e análises em neurociência, envolvendo pacientes do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro
A ideia é que o banco de dados seja facilmente adaptável para gerenciar também dados pertencentes a outros campos da neurociência.
"Está prevista, também, a construção de um portal para facilitar o acesso a todos os dados resultantes das pesquisas do NeuroMat e apoiar a integração dos pesquisadores e o acesso aos dados," explicou a professora Amanda Nascimento, da Universidade Federal de Ouro Preto, que participa da construção dessas ferramentas computacionais.
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