Decisão difícil
Uma pesquisa da Escola de Enfermagem (EE) da USP revela o que influencia a decisão de familiares de doarem órgãos de parentes mortos, e mostra as causas de estresse envolvidos na escolha.
Entre as dificuldades apontadas no estudo, estão a existência de familiares contrários à doação e as dúvidas e incertezas quanto à morte encefálica. Facilitam a doação o altruísmo, o consenso geral da família e saber o desejo do doador em vida.
Razões do estresse
Para realizar a pesquisa, o enfermeiro Valdir Moreira Cinque entrevistou 16 familiares de doadores mortos, que autorizaram a doação e acompanharam o processo. As famílias sofrem estresse principalmente pelo atraso na liberação do corpo, por receberem a notícia da morte de forma intranquila e inadequada e por estarem insatisfeitas com o atendimento prestado pela equipe de saúde.
As doações foram realizadas em 2007, na Organização de Procura de Órgãos (OPO) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). O pesquisador questionou sobre a internação do familiar, a notícia da morte, a tomada de decisão e o consentimento, a liberação do corpo e a intenção de doar novamente. A pesquisa foi orientada pela professora Estela Regina Ferraz Bianchi, da EE.
Altruísmo
Entre os entrevistados, 11 não tiveram dificuldades para a tomada de decisão quanto à doação. Quando perguntados sobre o que tornou mais fácil, 10 familiares apontaram a preocupação com os receptores e suas famílias. Outras 5 pessoas responderam que saber a vontade do doador facilitou a doação.
Dentre os entrevistados, 3 (19%) tiveram dificuldades em doar por haver familiares contrários à doação e 2 responsáveis explicaram que não estavam certos da morte encefálica. Isso acontece pelo fato de o coração estar batendo e o corpo permanecer quente. Por essa razão o paciente parece estar vivo. "A morte encefálica é irreversível", explica Moreira.
Mal atendimento
O trabalho mostrou as causas de estresse das famílias dos doadores. A maioria dos familiares considera o atraso na liberação do corpo o momento mais estressante.
A situação angustiante e a sensação de impotência, diante ao ato de "esperar a liberação do corpo" deixam a família ansiosa e estressada. Receber a notícia da morte encefálica de forma intranquila e inadequada também é considerado fator de estresse. Outras famílias sofreram com o mal atendimento prestado à família e ao doador durante a internação.
Entrevista familiar
"O procedimento correto nos hospitais é informar a suspeita da morte aos familiares e depois comprová-la ou não por meio de exames", explica Moreira. Se a morte é confirmada, o enfermeiro que atua na OPO, avalia a estrutura e as condições emocionais da família e, se viável, realiza a entrevista familiar quanto à doação de órgãos.
Na entrevista, os profissionais devem informar que a pessoa faleceu e que nesta situação os órgãos e tecidos podem ser doados para transplante. No entanto, 3 familiares (18% do total) disseram ter medo de que a equipe de saúde estivesse forjando a morte ou sentiram que estavam assinando a sentença do familiar.
Mas altruísmo
O enfermeiro também perguntou no que os responsáveis pensavam enquanto assinavam a doação de órgãos. O altruísmo aparece novamente: "Mais da metade (9 pessoas) pensaram nos receptores, nas suas famílias", conta o enfermeiro. Depois veio a insegurança quanto à doação de órgãos. Duas pessoas pensaram em não doar. Apesar das dificuldades, 87% disseram que doariam novamente. Os familiares que informaram pela negativa da intenção de doar tiveram como principais motivos o descontentamento do processo de doação e o medo do comércio de órgãos.
Para o pesquisador, é necessário que enfermeiros, sociedades e cursos de graduação reflitam e considerem o processo de doação de órgãos e tecidos como estressante para a família. "Um gesto tão altruísta como a doação de órgãos não deveria trazer sofrimento para a família", conclui.
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