17/11/2023

Vemos o mundo de dentro para fora, e não de fora para dentro

Redação do Diário da Saúde
Vemos o mundo de dentro para fora, e não de fora para dentro
Suas expectativas determinam o que você "vê" com base no conhecimento prévio.[Imagem: Eline Feenstra - Netherlands Institute for Neuroscience]

Visão interior

Quando nos envolvemos em interações sociais, como apertar as mãos ou conversar, a nossa observação das ações de outras pessoas é crucial. Mas o que acontece exatamente no nosso cérebro durante esse processo? Como é que as diferentes regiões cerebrais se comunicam entre si para gerar o quadro completo do que está acontecendo e do que fazer a seguir?

Pesquisadores do Instituto Holandês de Neurociências forneceram uma resposta intrigante a essas questões: A nossa percepção do que os outros fazem depende mais do que esperamos que aconteça do que daquilo que as pessoas estão realmente fazendo ou falando.

A descoberta, usando as mais modernas técnicas de neuroimagem, curiosamente coincide com aquilo que gurus e sábios de todas as épocas têm insistido: Que vemos o mundo de acordo com o que pensamos sobre o mundo, "de dentro para fora" - é por isso que esses líderes espirituais insistem tanto em que devemos mudar a nós mesmos, e não tentar mudar o mundo.

Os novos experimentos mostraram que, quando observamos ações em sequências significativas, os nossos cérebros ignoram cada vez mais o que entra nos nossos olhos, passando a se basear mais em previsões do que deve acontecer a seguir, e essas previsões parecem emergir do nosso próprio sistema motor. "O que nós faremos a seguir se tornará o que nosso cérebro vê," resume o pesquisador Christian Keysers.

Experimento neurocientífico

Para chegar a essa conclusão contra-intuitiva, a equipe mediu a atividade cerebral diretamente do cérebro de pacientes com epilepsia que participaram de pesquisas intracranianas de EEG para fins médicos. Esse exame envolve medir a atividade elétrica do cérebro usando eletrodos que estão não sobre o crânio, mas abaixo dele. A vantagem desta técnica é que é a única que permite medir diretamente a atividade elétrica que o cérebro utiliza para funcionar.

Durante o experimento, os participantes realizaram uma tarefa simples: Assistiram a um vídeo em que alguém realizava diversas ações cotidianas, como preparar o café da manhã ou dobrar uma camisa. Enquanto isso, os cientistas monitoravam a atividade elétrica cerebral através de eletrodos implantados nas regiões envolvidas na observação da ação, para examinar como essas regiões conversam entre si.

Foram testadas duas condições diferentes, resultando em diferentes atividades cerebrais durante a observação. Em uma delas, o vídeo era mostrado em sua sequência natural, como pegar um pãozinho, depois a faca, então cortar o pãozinho, pegar a manteiga, passar a manteiga no pão etc. Na outra, esses atos individuais foram reorganizados, tirados da ordem. Com isto, embora fossem exatamente as mesmas ações, apenas na ordem natural o cérebro podia contar com seu conhecimento sobre a sequência das ações.

Quando não há crença prévia

Quando os participantes viram o filme desorganizado e imprevisível, o cérebro apresentou um fluxo de informações que ia das regiões visuais do cérebro, que se acredita descreverem o que o olho está vendo, para as regiões parietais e pré-motoras, que também controlam nossas próprias ações. Ou seja, tudo aconteceu no cérebro da maneira que as teorias dizem que ele funciona.

Mas, quando os participantes viram o filme em sequência natural, a atividade mudou drasticamente. "Agora, a informação estava realmente fluindo das regiões pré-motoras, que sabem como nós mesmos preparamos o café da manhã, até o córtex parietal, e suprimiu a atividade no córtex visual," explica Valeria Gazzola, membro da equipe. "É como se eles parassem de ver com os olhos e começassem a ver o que eles próprios teriam feito."

Estes resultados compõem uma compreensão recente da comunidade neurocientífica de que o nosso cérebro não reage simplesmente ao que chega através dos nossos sentidos. Em vez disso, temos um cérebro preditivo, que prevê permanentemente o que vem a seguir. A entrada sensorial esperada é então suprimida, e passamos a "ver" o que esperamos ver, a adivinhar o que as outras pessoas farão a seguir e até mesmo a imaginar o que os outros devem estar pensando porque acreditamos que sabemos como eles pensam.

Em resumo, vemos o mundo de dentro para fora, e não de fora para dentro. É claro que, se o que vemos viola as nossas expectativas, a supressão motivada pelas expectativas falha e nos tornamos conscientes do que realmente vemos, em vez do que esperávamos ver.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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