14/01/2021

Nós ouvimos o que esperamos ouvir

Redação do Diário da Saúde
Nós ouvimos o que esperamos ouvir
Visão axial do cérebro (de cima) incluindo o colículo inferior e o corpo geniculado medial. A cor representa o quão bem os dados se enquadram nas hipóteses 1) de que o cérebro codifica as informações de acordo com as expectativas (vermelho) ou 2) que o cérebro codifica as informações de acordo com as propriedades dos estímulos (azul).[Imagem: Creative Commons]

Os sons que penso ouvir

Apesar de os sentidos corporais serem nossas janelas para o mundo exterior, as pessoas raramente questionam o quão fielmente elas captam e se representam internamente os eventos da realidade física externa.

Durante os últimos 20 anos, as pesquisas em neurociência têm revelado que o córtex cerebral constantemente gera previsões sobre o que acontecerá a seguir, e que os neurônios responsáveis pelo processamento sensorial apenas codificam a diferença entre nossas previsões e a realidade real.

Por exemplo, descobrimos que nossa memória do passado molda como descrevemos o presente - e até o futuro.

Agora, uma equipe de neurocientistas da Universidade Técnica de Dresden (Alemanha) apresentou novas descobertas que mostram que não apenas o córtex cerebral, mas toda a via auditiva, representa os sons de acordo com as expectativas anteriores.

Atividade só nos sons diferentes

A equipe usou imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) para medir as respostas cerebrais de 19 participantes enquanto eles ouviam sequências de sons. Esses voluntários haviam sido instruídos a tentar descobrir quais sons da sequência se desviavam dos demais.

Em seguida, as expectativas dos participantes foram manipuladas de modo que eles esperassem o som desviante em determinadas posições das sequências. Os neurocientistas examinaram as respostas diretamente no cérebro, conforme a audição dos sons desviantes ativavam os dois núcleos principais da via subcortical responsáveis pelo processamento auditivo: o colículo inferior e o corpo geniculado medial.

Embora os participantes reconhecessem o desvio mais rapidamente quando ele era colocado nas posições esperadas, os núcleos subcorticais codificaram os sons apenas quando eles foram colocados em posições inesperadas - nada acontecia nas situações nas quais os voluntários já estavam "acostumados".

Nós ouvimos o que esperamos ouvir
Pesquisas já demonstraram que o tempo fica entre a realidade e nossas expectativas.
[Imagem: Wikimedia]

Codificação preditiva

Segundo a equipe, esses resultados podem ser melhor interpretados no contexto da codificação preditiva, uma teoria geral do processamento sensorial que descreve a percepção como um processo de teste de hipóteses. A codificação preditiva assume que o cérebro está constantemente gerando previsões sobre como o mundo físico vai parecer, soar, sentir e cheirar no próximo instante, e que os neurônios encarregados de processar nossos sentidos economizam recursos representando apenas as diferenças entre essas previsões e o mundo físico real.

"Nossas crenças subjetivas sobre o mundo físico têm um papel decisivo em como percebemos a realidade. Décadas de pesquisas em neurociência já haviam mostrado que o córtex cerebral, a parte do cérebro mais desenvolvida nos humanos e macacos, varre o mundo sensorial testando essas crenças e comparando-as com as informações sensoriais reais. Agora mostramos que esse processo também domina as partes mais primitivas e evolutivamente conservadas do cérebro. Tudo o que percebemos pode estar profundamente contaminado por nossas crenças subjetivas do mundo físico," disse o professor Alejandro Tabas.

Dislexia

Dada a importância que as previsões têm no dia a dia, problemas na forma como as expectativas são transmitidas para a via subcortical podem ter profunda repercussão na cognição. A dislexia do desenvolvimento, o transtorno de aprendizagem mais difundido, já foi associada a respostas alteradas na via auditiva subcortical e a dificuldades em explorar regularidades de estímulos na percepção auditiva.

Estes novos resultados podem fornecer uma explicação unificada de por que os indivíduos com dislexia têm dificuldades na percepção da fala e fornecem aos neurocientistas clínicos um novo conjunto de hipóteses sobre a origem de outros distúrbios neurais relacionados ao processamento sensorial.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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