17/04/2009

Medicamento genérico é quatro vezes melhor para tratar a leishmaniose

Fábio de Castro - Agência Fapesp
Medicamento genérico é quatro vezes melhor para tratar a leishmaniose
Cientistas do Instituto Adolfo Lutz descobriram que um medicamento utilizado em pacientes de isquemia cerebral é quatro vezes mais eficiente que o fármaco padrão usado atualmente para tratar a leishmaniose. [Imagem: Fapesp]

Genérico valioso

Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, revelou que um medicamento genérico utilizado como vasodilatador para pacientes com isquemia cerebral apresenta potente atividade contra o parasita causador da leishmaniose.

A pesquisa, cujos resultados foram publicados na revista Parasitology Research, mostrou que a nimodipina, uma substância inibidora dos canais de cálcio, em ensaios in vitro, teve ação quatro vezes mais efetiva contra a leishmaniose visceral - a forma fatal da doença - que o glucantime, o fármaco-padrão hoje utilizado para o tratamento.

Coordenado por André Tempone, do Laboratório de Toxinologia Aplicada, do Departamento de Parasitologia do Instituto Adolfo Lutz, o estudo teve também a participação de Noemi Nosomi Taniwaki e Juliana Quero Reimão.

Leishmaniose visceral

De acordo com Tempone, a leishmaniose é considerada uma das doenças negligenciadas que, por serem típicas de regiões de baixa renda, não despertam o interesse da indústria farmacêutica para o desenvolvimento de novos medicamentos.

Dados do Ministério da Saúde mostram avanço da leishmaniose visceral no Brasil: houve um aumento de 61% entre 2001 e 2006, quando foram registrados 4.526 casos. Em julho de 2007 já haviam sido registrados mais de 3 mil casos da doença, fatal em mais de 90% dos casos sem tratamento.

"Como instituição do governo, acreditamos que temos a missão de buscar novos fármacos para doenças negligenciadas, por isso focamos nossas pesquisas nelas, tanto na vertente da inovação, com o desenvolvimento de protótipos farmacêuticos com base em produtos naturais, como também na adaptação de fármacos já existentes no mercado", disse Tempone à Agência FAPESP.

Medicamentos com nanotecnologia

Os estudos, no entanto, estão apenas começando, segundo o cientista. Na próxima etapa serão estudadas formulações nanotecnológicas que permitirão a liberação controlada do fármaco, dirigindo-o diretamente aos macrófagos - as células onde se abriga o parasita. "Com isso poderemos diminuir muito a quantidade de medicamento administrada, amenizando assim a toxicidade e otimizando a terapia", declarou.

Segundo Tempone, os estudos de adaptação de fármacos já existentes - conhecidos como piggy-back chemotherapy - embora não tragam inovação, são importantes do ponto de vista da saúde pública devido à possibilidade de colocar fármacos no mercado com mais rapidez.

"Investimos também na linha de inovação, que é muito importante. Mas o desenvolvimento de um medicamento a partir desses estudos tem custo muito elevado e exige muitos anos para testes clínicos e estudos de toxicidade, até que o produto possa entrar no mercado", explicou.

Medicamentos de alta toxicidade

O custo e o tempo de desenvolvimento, no entanto, seriam muito mais reduzidos para um fármaco feito com base na nimodipina, segundo ele. As triagens, de acordo com o cientista, são feitas com medicamentos genéricos para evitar futuros entraves com patentes. "Os testes in vitro foram muito promissores. Agora passaremos para testes in vivo e, funcionando no animal, a próxima etapa é o estudo clínico em humanos", disse.

Tempone explicou que o único fármaco desenvolvido e testado especialmente para a leishmaniose é o antimônio, descoberto em 1912 pelo brasileiro Gaspar Vianna - um aluno do sanitarista Oswaldo Cruz. Esse metal, altamente tóxico, é a base do glucantime, o fármaco-padrão usado clinicamente para o tratamento da doença até hoje.

"Há outros medicamentos também utilizados contra a doença, mas nenhum deles foi desenvolvido originalmente para a leishmaniose e todos esbarram na extrema toxicidade. Muitos pacientes chegam até a morrer em decorrência da medicação. Por isso a necessidade do desenvolvimento de novos fármacos é tão urgente", afirmou.

Entre os medicamentos utilizados como alternativa ao antimônio, Tempone cita a pentamidina, que era utilizada como hipoglecimiante, a anfotericina-B, originalmente sintetizada e utilizada para tratamento de doenças fúngicas, e a miltefosina, um antitumoral que está em fase clínica 4 de testes na Índia, onde já é a droga-padrão para o tratamento da leishmaniose.

Nanotecnologia farmacológica

Na próxima etapa, com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o grupo coordenado por Tempone fará estudos em modelos animais e trabalhará com as nanoformulações para liberação controlada do fármaco, usando lipossomas - um vetor de transporte não-viral de genes em formato de pequenas vesículas esféricas.

"Usaremos nanolipossomas e, com isso, poderemos dirigir o fármaco com maior precisão à célula infectada, minimizando a toxicidade no organismo e aumentando a eficácia do tratamento", disse.

Nessas nanoformulações, segundo Tempone, o fármaco é encapsulado e enviado pela corrente sanguínea. "Além dessas formulações, estamos estudando também combinações terapêuticas. Poderemos, por exemplo, combinar a nimodipina com o antimônio. Dessa maneira, se não for possível eliminar o antimônio, poderemos tavez reduzir expressivamente sua dose", declarou.

O que é leishmaniose?

A leishmaniose é transmitida pela picada de flebotomíneos, hospedeiros do parasita leishmânia. O inseto se contamina ao sugar o sangue de mamíferos infectados e, ao picar um animal ou pessoa sadia, o flebótomo injeta secreção salivar com as leishmânias.

A forma tegumentar da doença atinge as mucosas do corpo e causa lesões na pele, enquanto a leishmaniose visceral ataca o fígado humano e pode levar o indivíduo à morte. Presente em todo o país, especialmente no litoral e na região Norte, a leishmaniose visceral avança a passos largos em território paulista, desde que o primeiro caso foi registrado, em 1985.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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