04/01/2010

Cultura do Medo: Sociólogo alerta contra os medos fabricados

Redação do Diário da Saúde

Medos sem motivo

Acidentes de avião, mortes no trânsito, sequestros, crianças com agulhas no corpo, promiscuidade na adolescência, terrorismo, mares que vão subir...

Quando o sociólogo Barry Glassner, da Universidade da Califórnia, fez uma análise da última década, ele viu uma sociedade saltando de um susto para outro - mas, geralmente, sem nenhum motivo.

A verdade, diz Glassner, é que as crianças estão mais sujeitas a serem atingidas e mortas por um raio do que por um tiro na escola ou de serem "levadas" pelos terroristas. Apesar de eventuais falhas catastróficas, o transporte aéreo ainda é muito menos arriscado do que viajar de automóvel. E as mães solteiras não fazem parte de uma conspiração liberal contra a instituição do casamento - elas "simplesmente" estão na escala social mais baixa, sem acesso a cuidados ou à educação.

Indivíduos perturbados

"[Na década de 1990] a polícia e a imprensa encheram-nos de alertas contra novas categorias de "desviados" sociais que estavam prestes a nos pegar - ladrões que invadem casas, ladrões de carros, sequestradores, abusadores de crianças, carteiros loucos," escreve o sociólogo, que fez um estudo baseado na imprensa dos Estados Unidos.

Segundo ele, na sociedade norte-americana contemporânea, em vez de se concentrar em deficiências realmente problemáticas existentes na sociedade, os debates públicos focaram-se sobre indivíduos perturbados.

Os terroristas vão nos pegar

Depois dos ataques de 11 de Setembro de 2001, a narrativa básica do medo mudou rapidamente de "há monstros soltos entre nós" para "terroristas estrangeiros querem nos destruir," escreve ele na edição recém-lançada do seu livro A Cultura do Medo.

"Nas primeiras semanas após o 11/09, os medos acalentados durante as três últimas décadas em relação à criminalidade, aos adolescentes, às drogas e às doenças, de repente pareciam simplórios, obsoletos, sem importância. O medo coletivo da nação coalesceu contra um alvo distante: Osama bin Laden e sua organização, a Al Qaeda."

Medo do terrorismo

Mas, conforme os ataques contra o World Trade Center esmaecem na memória do público, a primeira década do século 21 viu um retorno à histeria em massa, afirma Glassner - grande parte dela causada pela manipulação cínica dos políticos sobre o medo do terrorismo.

Além de duas guerras diretas e uma guerra global contra o terrorismo, os norte-americanos parecem ainda não ter uma perspectiva equilibrada sobre com o que devem se preocupar - ou não se preocupar.

Cultura do Medo: Sociólogo alerta contra os medos fabricados
Em seu livro, Glassner demonstra que é a nossa percepção do perigo que tem aumentado, e não o nível real de risco.
[Imagem: Divulgação]

Doenças metafóricas

Tomemos o caso dos grupos de pressão que conseguiram levantar várias vezes o falso temor de que as vacinas causam autismo em crianças. Anos depois de uma suposta ligação entre a vacina tríplice (contra difteria, coqueluche e tétano) e o autismo ter sido repetidamente desmentida por cientistas nos Estados Unidos e noutros países, alguns grupos continuam a organizar protestos públicos.

Glassner destaca o papel daquilo que ele chama de "doenças metafóricas" - simplificações que são criadas para facilitar o entendimento do público de uma doença, geralmente real.

Isto se dá principalmente pela incapacidade do público em entender os meandros da ciência por trás desses estudos. Uma das características da doença metafórica, segundo o sociólogo, é que ela não é uma doença real no sentido médico do termo - pode mesmo haver dúvidas entre especialistas se a doença de fato existe.

Como não há uma fundamentação científica direta, é comum que as doenças metafóricas tornem-se objeto de exageros, superstições e muitos boatos. Isto aconteceu recentemente nos Estados Unidos, com uma virtual Síndrome da Guerra do Golfo, que acometeria os soldados e que seria até mesmo contagiosa, segundo os boatos.

Percepção do perigo

Mas o que importa, segundo Glassner, é: "E então, nós estamos realmente vivendo em tempos extremamente perigosos?"

Em seu livro, Glassner demonstra que é a nossa percepção do perigo que tem aumentado, e não o nível real de risco.

Ele expõe as pessoas e organizações que manipulam nossas percepções e lucram com os medos coletivos, incluindo grupos que arrecadam dinheiro exagerando a importância e a ocorrência de doenças e os políticos que ganham eleições aumentando as preocupações sobre o crime, o uso de drogas e o terrorismo.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

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