25/08/2009

Aulas de anatomia não evoluem há meio século

Renata Moehlecke
Aulas de anatomia não evoluem há meio século
Uma das principais conclusões do estudo é que o ensino de anatomia vem sendo efetivado por práticas acriticamente reproduzidas, nas quais a apreensão do conhecimento é meramente mecânica. [Imagem: Reprodução/Fiocruz]

Sem avanços há meio século

Até o final da década de 1950, as aulas de anatomia humana, obrigatórias em diversos cursos da área de saúde nas universidades brasileiras, eram do tipo magnas: o contato com o material de estudo por parte dos alunos se dava por meio da observação do professor, que dissecava os cadáveres e explicava o assunto a ser abordado.

A partir da década seguinte, a noção de que os alunos deveriam eles mesmos dissecar, orientados pelos professores assistentes e por monitores, começou a ser introduzida na disciplina, a fim de facilitar e melhorar a qualidade do aprendizado.

No entanto, após essas alterações ocorridas na metodologia das aulas práticas nesse período, nenhuma mudança significativa no ensino foi percebida até os dias de hoje. Isso é o que conta o médico Marco Aurélio Montes em sua tese em ensino de biociências e saúde, defendida no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

Práticas no ensino de anatomia humana

"A agregação de recursos audiovisuais e de informática, que num primeiro momento poderiam ser apresentados como inovações, não trouxeram alterações substantivas e parecem estar, ainda que numa análise superficial e pessoal, contribuindo para o retorno das aulas magistrais, já que, pela qualidade das imagens e/ou modelos que produzem, estão sendo a alternativa mais viável para a atual dificuldade de obtenção dos cadáveres para os laboratórios de anatomia", afirma Montes. "É preciso garantir que o avanço do conhecimento científico na área caminhe paralelamente à melhoria de qualidade do processo educativo".

Com o objetivo de refletir sobre as práticas de ensino sobre anatomia humana, o pesquisador consultou, ao todo, a opinião 200 estudantes de graduação de cursos da área de saúde de duas universidades do Estado do Rio de Janeiro sobre suas experiências com a disciplina. O trabalho de Montes é composto, além de uma extensa introdução sobre a história do ensino da anatomia humana, por cinco artigos. O primeiro aborda a insatisfação de professores com o desempenho dos alunos e a busca pela criação de uma estratégia que pudesse minimizar as deficiências no ensino, que contribuem para o aumento da taxa de abandono da disciplina e dos índices de reprovação.

No segundo artigo, o pesquisador quantifica esses índices de reprovação e tenta identificar possíveis causas para o desempenho ruim dos estudantes. O terceiro descreve uma experiência conjunta entre alunos e professores em uma feira de ciências voltada para uma comunidade. O artigo seguinte aponta, segundo os estudantes, quais são as principais causas e fatores que poderiam estar influenciando a relação ensino-aprendizagem. No último artigo, o pesquisador conta como se deu a construção de uma disciplina de anatomia a partir da observação das sugestões e opiniões dadas pelos estudantes participantes da pesquisa.

Aprendizado mecânico

Segundo Montes, uma das principais conclusões do estudo é que o ensino de anatomia vem sendo efetivado por práticas acriticamente reproduzidas, nas quais a apreensão do conhecimento é meramente mecânica. Ele explica que as avaliações costumam ser organizadas em duas etapas: uma prova teórica, centrada na definição das funções dos diferentes órgãos e sistemas, e outra prática, na qual os alunos, na maior parte dos casos, têm que identificar e dizer a função de estruturas anatômicas previamente marcadas com um alfinete. "É certo que, no caso específico dessa disciplina, a aprendizagem mecânica é necessária, mas a simples memorização dos nomes das estruturas anatômicas não é suficiente", comenta Montes. "É preciso seguir no continuum entre aprendizagem mecânica e significativa para que os alunos, futuros profissionais, possam compreender o porquê daquela forma e posição".

Razões do fraco desempenho

A pesquisa indicou que, na opinião dos estudantes, os principais fatores que contribuem para que eles não obtenham aprovação na disciplina são o fato de não terem estudado os conteúdos da disciplina bem e a falta de objetividade das perguntas feitas nas provas práticas, assim como o tempo disponibilizado para a sua resolução. A qualidade deficiente do material utilizado, tanto para as aulas quanto para as provas práticas, também foi sinalizado como um aspecto a contribuir para um fraco desempenho na disciplina. Os principais fatores assinalados como positivos para a aprovação foram a integração dos conteúdos teóricos às aulas práticas, a disponibilidade dos laboratórios para estudar fora do horário das aulas, o fato de se aplicarem as avaliações fora da semana de provas instituída pela universidade e a quantidade de peças disponibilizadas para os estudos.

"A intenção desta consulta era possibilitar a adequação dos conteúdos e a forma pela qual conseguimos tornar estas informações mais acessíveis à estrutura cognitiva dos aprendizes, a partir da identificação dos principais obstáculos que contribuem para um baixo desempenho por parte dos alunos na disciplina", diz o pesquisador, que também chama a atenção para a importância do docente estar bem informado sobre as diversas teorias de aprendizagem a fim de tentar corrigir ou minimizar falhas que possam causador desempenhos insatisfatórios. "É necessário estimular continuamente a motivação intrínseca dos estudantes, colaborando para que estes se mantenham de prontidão permanentemente e sintam-se cada vez mais preparados para aprenderem a apreender a disciplina".

Aprendizado reflexivo

Para o pesquisador, atualmente, as sugestões de tipos de avaliação são as mais diversas, mas não são, de fato, soluções que melhorem o cotidiano de professores e alunos, estes que também devem ser incluídos como parte integrante do processo de decisão. A partir das observações dos estudantes consultados, o pesquisador pensou em trabalhar no desenvolvimento de uma metodologia que estimule a aprendizagem significativa de seus alunos. O objetivo é contribuir de modo positivo para o rompimento da perpetuação do enfoque memorístico e permitir que o aluno compreenda de forma reflexiva e possa relacionar uma estrutura anatômica a uma situação comum na sua vida profissional. "É preciso, assim, substituir a ênfase no ensino pelo enfoque no desenvolvimento da aprendizagem pelo aluno e atuar de modo contínuo no sentido de compartilhar com nossos discentes a estrutura conceitual e os objetivos a serem alcançados em nossa disciplina", conclui Montes.

 

Fonte: Diário da Saúde - www.diariodasaude.com.br

URL:  https://diariodasaude.com.br/print.php?article=aulas-anatomia-nao-evoluem-ha-meio-seculo

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