Protetores da insulina
Mais de meio século depois que os pesquisadores identificaram um método promissor para o tratamento do diabetes, que se baseia na interrupção da decomposição da insulina no organismo, uma equipe de pesquisa liderada por um cientista da Clínica Mayo, dos Estados Unidos, desenvolveu moléculas potentes que podem exercer exatamente essa função.
Os pesquisadores dizem que a descoberta, cuja descrição foi publicada na revista PLoS ONE, pode estabelecer as bases para uma nova classe de medicamentos para o tratamento de diabetes.
A função das minúsculas moléculas agora desenvolvidas é impedir que uma poderosa máquina molecular, conhecida como enzima degradante da insulina (IDE - insulin-degrading enzyme), desintegre o hormônio insulina.
Isso faz com que a insulina permaneça por mais tempo no organismo e cumpra sua função de remover a glicose do sangue (açúcar simples derivado dos alimentos).
Medicamentos para diabetes
A descoberta pode levar ao desenvolvimento de medicamentos para o diabetes com capacidade de fazer a insulina trabalhar melhor e por mais tempo, diz o pesquisador principal do estudo, Malcolm Leissring.
O diabetes afeta mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo e a incidência da doença está crescendo a taxas alarmantes. Assim, novos tipos de tratamento são realmente necessários, diz o pesquisador.
Enzima degradante da insulina
A IDE (enzima degradante da insulina) é uma protease, uma enzima que divide proteínas ou peptídeos em pequenos pedaços.
De acordo com Malcolm Leissring, foram desenvolvidos inibidores para praticamente todas as proteases biomedicamente importantes no organismo. "Parece-nos surpreendente que inibidores da IDE não tenham sido desenvolvidos antes, particularmente por causa do relacionamento especial da IDE com a insulina, um hormônio muito importante", diz ele.
Essa constatação é especialmente enigmática considerando-se que a IDE foi descoberta há mais de 60 anos.
Na verdade, descobrir um inibidor da IDE foi um grande objetivo da pesquisa associada ao diabetes nos anos 50. Em um estudo memorável, um grupo de pesquisadores pioneiros conseguiu purificar um inibidor da IDE, de formação natural, que se comprovou capaz de tornar a insulina mais eficaz em sua função de reduzir o nível de glicose no sangue, em experimentos com animais, o que era, precisamente, o efeito desejado no tratamento do diabetes.
No entanto, a composição do agente nunca foi determinada.
O fracasso dos robôs
Inicialmente, a equipe de pesquisa tentou encontrar inibidores da IDE usando tecnologias sofisticadas. Os pesquisadores recorreram a robôs para testar centenas de milhares de compostos, em experiências no Laboratório para Descoberta de Medicamentos em Neurodegeneração (LDDN - Laboratory for Drug Discovery in Neurodegeneration), que é parte da Brigham and Women's Hospital and Harvard Medical School. Por incrível que pareça, esses métodos modernos não identificaram qualquer inibidor de qualidade, diz o pesquisador.
"Nossos robôs se revelaram incapazes de resolver esse problema em particular", conta ele. "Ironicamente, foi um método fora de moda que tornou possível esse grande progresso".
Inibidor da IDE
O método, considerado fora de moda, utilizou uma tecnologia inventada em 1950 para descobrir que sequência de peptídeos - entre trilhões de combinações possíveis - a IDE divide com maior eficiência.
O pesquisador Benjamin Turk, Ph.D., da Escola Universitária de Medicina de Yale, conduziu a pesquisa nessa fase crítica. Então, uma equipe de químicos, liderada pelo diretor de Química Medicinal da LDDN, Gregory Cuny, produziu um composto que continha a sequência de peptídeos desejada, junto com um grupo químico especial que se liga ao zinco.
O composto resultante é chamado "Ii1" (inibidor 1 da IDE).
O inibidor Ii1 é cerca de um milhão de vezes mais potente do que qualquer inibidor da IDE, mas será necessário desenvolver mais a pesquisa para torná-lo um medicamento apropriado para uso terapêutico, diz Malcolm Leissring.
Em um passo essencial na direção desse objetivo, o pesquisador, junto com Wei-Jen Tang, e outros colegas da Universidade de Chicago, definiram a estrutura de cristal tridimensional do Ii1 ligada à IDE. Essa estrutura de cristal irá facilitar o desenvolvimento de inibidores que sejam mais estáveis no organismo do que o Ii1 deve ser, segundo se prevê.
Pac-Man
A estrutura da IDE é distinta de outras proteases, dizem os pesquisadores. Ela tem a forma de concha de marisco articulada, que abre e fecha, à semelhança do Pac-Man, o conhecido protagonista do videogame.
Os pesquisadores descobriram na estrutura de cristal que o peptídeo Ii1 age como um fecho magnético que mantém a concha de marisco fechada. "Imagine um porta-moedas que tenha um fecho magnético para impedir que se abra", sugere o pesquisador. "O Ii1 é semelhante a um fecho magnético, que mantém as duas metades da IDE fechadas", explica.
Se a IDE é inibida, a insulina permanece no organismo por mais tempo. Normalmente, cerca da metade da insulina produzida pelo pâncreas é imediatamente destruída pelo fígado. Ninguém sabe por que isso acontece, mas pode ser uma maneira de controlar a quantidade de insulina que deve entrar no fluxo sanguíneo, ele diz.
Os inibidores da IDE reduziriam as taxas dessa destruição inicial. No entanto, de acordo com uma descoberta surpreendente do estudo, eles também impediriam a degradação da insulina nas células de "destino", que são responsáveis pela retirada do açúcar do fluxo sanguíneo. "Quando a insulina chega às células, ela é, normalmente, destruída muito rapidamente pela IDE. Nós estamos mostrando que, quando você interrompe esse processo com um inibidor da IDE, a insulina permanece por mais tempo dentro da célula, de forma que esse hormônio exerce sua função de maneira mais eficiente", diz o pesquisador.
Os inibidores da IDE também podem ser úteis no tratamento de outras doenças, além do diabetes, sugerem os pesquisadores. "A insulina está envolvida, por incrível que pareça, com uma grande variedade de processos importantes no organismo, como a memória e a cognição, de forma que os inibidores da IDE poderão ter diversos usos. Eles também serão muito valiosos como ferramentas para pesquisa básica", afirma Malcolm Leissring.
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