Aprendizado celular
As células individuais parecem ser capazes de aprender, um comportamento até agora considerado exclusivo de animais com cérebros ou sistemas nervosos complexos.
A descoberta pode representar uma mudança importante na maneira como vemos as unidades fundamentais da vida e mexer com a teoria da evolução - hoje as células são comumente equiparadas a "máquinas" repetitivas, que desempenham funções pré-programadas nos genes.
"Em vez de seguir instruções genéticas pré-programadas, as células são elevadas a entidades equipadas com uma forma muito básica de tomada de decisão com base na aprendizagem de seus ambientes," disse o professor Jeremy Gunawardena, da Universidade de Harvard (EUA).
Os pesquisadores estavam estudando a habituação, o processo pelo qual um organismo gradualmente para de responder a um estímulo repetido. É devido à habituação que os humanos param de notar o tique-taque de um relógio ou se distraem menos com luzes piscantes com o passar do tempo, por exemplo.
É uma forma mais rudimentar de aprendizado, estudado extensivamente em animais com sistemas nervosos complexos. Mas se esses comportamentos semelhantes à aprendizagem existem em escala celular ou não é uma questão que continua repleta de controvérsias há quase um século. Essas pesquisas usam organismos muito mais simples, como o ciliado unicelular Stentor roeseli.
"Essas criaturas são muito diferentes dos animais com cérebros. Aprender significaria que elas usam redes moleculares internas que, de alguma forma, desempenham funções semelhantes às realizadas por redes de neurônios em cérebros. Ninguém sabe como elas conseguem fazer isso, então achamos que é uma questão que precisava ser explorada," diz Rosa Martinez, do Centro de Regulação Genômica (CRG) em Barcelona (Espanha).
Habituação
As células dependem de reações bioquímicas como meio de processamento de informações. Por exemplo, a adição ou remoção de um marcador de fosfato da superfície de uma proteína faz com que ela ligue ou desligue. Para rastrear como as células processam informações, em vez de trabalhar com células em placas de laboratório, os pesquisadores usaram simulações de computador baseadas em equações matemáticas para monitorar essas reações e decodificar a "linguagem" da célula. Isso permitiu que eles vissem como as interações moleculares dentro das células mudavam quando expostas ao mesmo estímulo repetidamente.
Especificamente, as simulações analisaram dois circuitos moleculares comuns - circuitos de retroalimentação negativos e circuitos de alimentação à frente incoerentes. Na retroalimentação negativa, a saída de um processo inibe sua própria produção, como um termostato desligando um aquecedor quando uma sala atinge uma certa temperatura. Nos circuitos de alimentação avante incoerentes, um sinal ativa simultaneamente um processo e seu inibidor, como uma luz ativada por movimento com um temporizador - após detectar movimento, a luz desliga automaticamente após um certo período de tempo.
As simulações indicam que as células usam uma combinação de pelo menos dois desses circuitos moleculares para ajustar suas respostas a um estímulo e reproduzir todas as características marcantes da habituação vistas em formas de vida mais complexas. Uma das principais descobertas é a exigência de "separação de escala de tempo" no comportamento dos circuitos moleculares, onde algumas reações acontecem muito mais rápido do que outras.
"Acreditamos que isso pode ser um tipo de 'memória' no nível celular, permitindo que as células reajam imediatamente e influenciem uma resposta futura," disse a professora Rosa.
Dois lados da mesma moeda
A descoberta também pode iluminar um debate de longa data entre neurocientistas e pesquisadores cognitivos. Durante anos, esses dois grupos defendem opiniões diferentes sobre como a força da habituação se relaciona com a frequência ou intensidade da estimulação.
Os neurocientistas se concentram no comportamento observável, mostrando que os organismos mostram uma habituação mais forte com estímulos mais frequentes ou menos intensos. Os cientistas cognitivos, no entanto, insistem em testar a existência de mudanças internas e a formação de memória após a habituação ter ocorrido; nessa metodologia, a habituação parece mais forte para estímulos menos frequentes ou mais intensos.
Este novo estudo mostra que o comportamento dos modelos se alinha com ambas as visões: Durante a habituação, a resposta diminui mais com estímulos mais frequentes ou menos intensos, mas, após a habituação, a resposta a um estímulo comum também é mais forte nesses casos.
"Neurocientistas e cientistas cognitivos têm estudado processos que são basicamente dois lados da mesma moeda," disse Gunawardena. "Acreditamos que células únicas podem emergir como uma ferramenta poderosa para estudar os fundamentos do aprendizado."
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