30/07/2010

Nervos são consertados com cola de veneno de cobra e células-tronco

Fábio de Castro - Agência Fapesp
Nervos são consertados com cola de veneno de cobra e células-tronco
Cientistas da Unicamp estudam combinação de células-tronco e selante derivado de veneno de serpente para reimplantar raízes nervosas após lesões na conexão entre o sistema nervoso central e o periférico.
[Imagem: Laboratório de Regeneração Nervosa/Unicamp]

Terapia celular

Corrigir lesões do sistema nervoso ainda é um desafio para a medicina.

Compreender o rearranjo dos circuitos neurais provocado por essas lesões pode ser um passo fundamental para otimizar a sobrevivência e a capacidade regenerativa dos neurônios motores e restabelecer os movimentos dos pacientes.

A partir de investigações sobre esses mecanismos de rearranjo dos circuitos nervosos, um grupo de cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) está desenvolvendo um modelo inovador que associa terapia celular ao reimplante das raízes nervosas.

Veneno de cobra e células-tronco

Para restabelecer a conexão entre o sistema nervoso periférico e o central, os pesquisadores utilizam células-tronco mononucleares de medula óssea e uma "cola" desenvolvida a partir do veneno de serpentes.

"Após lesão no sistema nervoso - periférico ou central -, ocorre um rearranjo considerável dos circuitos neurais e das sinapses. Entender esse rearranjo é importante para determinar a sobrevivência neural e a capacidade regenerativa posterior", disse Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira, coordenador do projeto.

Para estudar os mecanismos de regeneração, os cientistas utilizam técnicas que unem microscopia eletrônica de transmissão, imuno-histoquímica, hibridação in situ e cultura de células gliais e neurônios medulares.

"Procuramos associar a terapia celular ao reimplante das raízes nervosas. Para isso, temos usado células-tronco mesenquimais e mononucleares no local da lesão ou nas raízes reimplantadas. A ideia não é repor neurônios, mas estimular troficamente essas células e evitar a perda neural, de modo a conseguir otimizar o processo regenerativo", disse.

Cola de veneno de jararaca

O projeto mais recente do grupo envolve o uso de um selante de fibrina - uma proteína envolvida com a coagulação sanguínea -, produzido a partir de uma fração do veneno de jararaca pelo Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu.

"Os axônios dos neurônios motores saem da medula espinhal e entram na raiz nervosa, dirigindo-se aos nervos. O nosso modelo emprega essa 'cola' biorreabsorvível para reimplantar as raízes nervosas na superfície da medula, onde o sistema nervoso periférico se conecta ao sistema nervoso central. Associamos essa adesão às células-tronco, que produzem fatores neurotróficos - isto é, moléculas proteicas capazes de induzir o crescimento e a migração de expansões das células neurais", explicou Oliveira.

Quando as raízes motoras são arrancadas, cerca de 80% dos neurônios motores morrem duas semanas após a lesão. Mas os motoneurônios que sobrevivem têm potencial regenerativo após o reimplante de raízes nervosas.

"Porém, na maioria das vezes, o reimplante das raízes não é suficiente para se obter um retorno da função motora, porque a lesão causa uma perda neuronal grande demais. Por isso, é preciso desenvolver estratégias para diminuir a morte neuronal após a lesão. Achamos que o uso do selante de fibrina pode auxiliar nesse processo", indicou.

Segundo Oliveira, quando há uma lesão periférica - comum em acidentes de trabalho, por exemplo -, com transecção ou esmagamento de nervos, ocorre uma resposta retrógrada, isto é, uma reorganização sináptica visível na medula espinhal, onde se encontram os neurônios.

"O interessante é que, quando a lesão é periférica, o neurônico sinaliza de alguma forma para a glia - o conjunto de células do sistema nervoso central que nutrem os neurônios -, que se torna reativa. Essa reatividade está envolvida no rearranjo sináptico por meio de mecanismos ainda pouco conhecidos. Nosso objetivo é compreender e otimizar esse processo de rearranjo sináptico para, futuramente, criar estratégias capazes de melhorar a qualidade da regeneração neuronal", afirmou.

Esclerose múltipla

No laboratório da Unicamp, os cientistas induzem em ratos e camundongos doenças como a encefalomielite autoimune experimental - que é um modelo para estudar a esclerose múltipla. Após a indução de uma forma aguda da doença, os animais apresentam todos os sinais clínicos, tornando-se tetraplégicos de 15 a 17 dias após a indução.

"Por outro lado, eles se recuperam da tetraplegia muito rapidamente, entre 72 e 96 horas. O rearranjo sináptico induzido pela inflamação é tão grande que paralisa completamente a funcionalidade tanto sensitiva como motora, mas de forma transitória", disse Oliveira.

No entanto, a esclerose múltipla destrói a bainha de mielina, uma substância que isola as terminações dos nervos e garante o funcionamento dos axônios. Segundo Oliveira, porém, essa bainha se recupera em surtos temporários: em alguns momentos há desmielinização; em outros, o sistema imune fica mais ativo e a bainha de mielina se recompõe.

"O paradoxal é que, mesmo que a remielinização não tenha se completado, o animal volta a andar normalmente. Nossa hipótese é que, com a mielinização, ocorre um rearranjo sináptico que mimetiza uma lesão, como uma transecção. Transitoriamente, os neurônios param de funcionar. Quando a inflamação cede, as sinapses retornam muito rapidamente. Em algumas horas a função é retomada e os sinais clínicos vão desaparecendo", disse.

Lesão da medula

Além do modelo da esclerose múltipla, os cientistas trabalham também com um modelo de lesão periférica dos nervos e na superfície da medula espinhal.

"Quanto mais perto da medula ocorre a lesão, mais grave a lesão em termos de morte neuronal. Todas são graves, mas aquela que ocorre perto da medula causa perda neuronal e aí não há perspectiva de recuperação. Mesmo com as vias íntegras, o neurônio que conecta o sistema central com o músculo morre e nunca mais haverá recuperação", explicou o professor da Unicamp.

"Tanto no animal como no homem, ocorre uma perda grande de neurônios, mas a pequena porcentagem que resta - em torno de 5% - consegue se regenerar. No homem, entretanto, há uma demora de mais de dois anos para que se recupere alguma mobilidade. No rato, a mobilidade é recuperada em três ou quatro meses", disse.

"Uma vez que isso foi descoberto, começou-se a tentar reimplantar as raízes, desenvolvendo estratégias cirúrgicas e tratamentos com drogas que evitem a morte neuronal nesse período em que há desconexão. Essa parece ser a saída mais promissora para evitar a perda neuronal e otimizar a regeneração", afirmou.

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