08/10/2010

Meninos que sofrem assédio sexual têm cognição prejudicada

Rafaela Carvalho - Agência USP

Consequências do assédio

As consequências do assédio sexual são diferentes em meninos em relação a meninas.

As jovens do sexo feminino podem desenvolver sequelas graves, como distúrbios alimentares e hipersexualidade (o que pode levar à prostituição), mas mesmo assim se mantêm seguras quanto à sua opção sexual e à sua feminilidade.

Já nos adolescentes do sexo masculino, o assédio sexual na infância é capaz de conduzir ao déficit de memória e à distorção da realidade. Esse tipo de sequela também pode levá-los à prática de abuso sexual e estupro.

Registrado no cerebral

"O déficit de memória e a distorção da realidade estão ligados", explica a psicóloga Mery Pureza Candido de Oliveira, da Faculdade de Medicina da USP.

Em seu estudo, ela descreve que a sensação de ameaça que o jovem sentia quando criança diante da iminência do assédio sexual provocava atividade constante da amígdala cerebral.

Essa amígdala, por consequência, acelera as atividades do eixo HHS (sigla para hipófise, hipotálamo e suprarrenal - regiões responsáveis pela produção hormonal no corpo), o que leva o organismo a um estado de estresse inesperado, fazendo com que a captação e o arquivamento de informações no cérebro sejam prejudicados.

"Há cheiros, cenas e momentos que ficam gravados na memória do abusado de forma distorcida. Pode ser que uma dessas coisas remeta ao abuso sexual sofrido. Isso faz a amígdala cerebral trabalhar além do normal, comprometendo a capacidade de cognição", aponta a psicóloga, autora da dissertação de mestrado Abuso sexual de meninos: estudo das consequências psicossexuais na adolescência.

Abusos

A pesquisadora analisou um grupo de 26 jovens de 16 a 18 anos, sendo 20 da Fundação Casa, e outros 6 que buscaram tratamento voluntariamente no HC, comparando-os com o grupo controle. Mery conta que a procura voluntária foi muito baixa. "Também estávamos procurando 20 jovens que aparecessem por vontade própria, mas muitos têm medo de vir por temer serem denunciados ou presos."

Entre os jovens da Fundação Casa, o abuso sexual ocorreu quando os adolescentes tinham em média 7 a 9 anos. Já entre os voluntários do Núcleo Forense do IPq, a violência ocorreu entre os 4 e 6 anos.

Para a realização do trabalho, Mery avaliou memória, estresse, impulsividade e quatro fatores de personalidade de cada adolescente: vulnerabilidade, depressão, ansiedade e desajustamento psicossocial. A pesquisadora também complementou o trabalho com um questionário sobre desenvolvimento da vida sexual, que foi respondido por cada um dos jovens.

De vítima a agressor

Mery constatou que entre os seis jovens que foram voluntariamente ao IPq, quatro já abusavam sexualmente de crianças, tendo realizado a troca de papel - de vítima para agressor. Além disso, um apresentava incertezas sobre sua sexualidade e o último simplesmente não praticava atividade sexual alguma.

Já entre os jovens da Fundação Casa, viu-se que 48% deles haviam se transformado em abusadores sexuais. Outros 2% se tornaram estupradores. "Há uma grande diferença entre os dois tipos. O abusador se sente no mesmo nível da criança quando abusa dela. Mas o estuprador age com raiva e violência", explica Mery.

A psicóloga conta que jovens abusadores apresentam personalidade infantil e imatura, e grande parte deles sofre de graves problemas de autoestima. "Apesar de esses jovens estarem na fase em que os hormônios estão em alta para a atividade sexual, eles não têm confiança em si mesmos. Alguns argumentam que são feios e que nenhuma garota se interessaria por eles. Assim, abusam de crianças menores, que não vão entender o que está acontecendo". Mery chama essa atitude de abuso sexual por oportunismo, uma vez que não há desvio sexual, mas um desvio de moral por parte do jovem, o que mostra o quão prejudicado está o seu desempenho cognitivo.

Recuperação

Atualmente, o grupo de assistência a vítimas do Ambulatório Nufor (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica), do IPq, realiza tratamentos para esses jovens, a fim de lhes dar maior noção da realidade que os cerca.

"São desempenhadas atividades que revivem a cena do abuso sexual. Damos aos jovens, assim, a possibilidade de agir diante da situação, impedindo que o assédio aconteça". Outra técnica utilizada é o treino de empatia, que coloca o jovem que se tornou abusador no lugar de sua vítima, a fim de diminuir a distorção cognitiva.

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